Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - As liquidações de contratos do mercado de energia elétrica do Brasil podem ficar travadas até 2016, disseram especialistas nesta terça-feira, depois de a instituição responsável pelas operações anunciar que suspendeu 4,2 bilhões de reais em pagamentos às empresas do setor previstos para esta terça-feira.
A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que promove a liquidação mensalmente, disse que diversas ações judiciais impediram o processamento da operação --com as empresas obtendo proteção contra perdas com o déficit de geração das hidrelétricas, causado pela seca, e com a inadimplência do mercado.
"O mercado travou definitivamente... não é trivial desfazer essa confusão. É possível que isso só se resolva definitivamente em dezembro ou janeiro", disse à Reuters o integrante do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ (Gesel-UFRJ) Roberto Brandão.
As operações de compra e venda de energia seguem acontecendo, mas, com as operações travadas na CCEE, deixa de haver o acerto de diferenças entre a geração ou consumo de cada empresa e os montantes contratados.
Nessas situações, as empresas acabam vendendo energia com desconto, para não ficar com sobras a receber na CCEE.
O Ministério de Minas e Energia disse à Reuters, por meio de nota, que "está atuando junto à Câmara e aos agentes para equacionar a questão e viabilizar o quanto antes a retomada da liquidação", sem especificar datas.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tenta negociar um acordo com as empresas do setor para que, em troca de uma compensação parcial às perdas de faturamento das hidrelétricas, estas retirem as ações judiciais até 14 de dezembro deste ano.
Ainda há incertezas em relação à aceitação da proposta pelo mercado e, mesmo que se chegue a um acordo, viabilizar a retirada das ações e a retomada do funcionamento do mercado pode não ser tão simples.
"Imagino que até 2016 não teremos mais como liquidar o mercado", afirmou à Reuters o diretor da consultoria Esfera Energia, Braz Justi.
Desde a liquidação das operações de junho, realizada em agosto, o mercado de curto prazo de energia elétrica registrava inadimplências recordes e próximas de 50 por cento em cada processamento, justamente devido a um crescente de ações judiciais.
GUERRA JUDICIAL SEGURA CRÉDITOS
Com uma menor produção das hidrelétricas, empresas do setor obtiveram proteção judicial contra perdas na CCEE, onde precisavam comprar energia no mercado de curto prazo para cumprir contratos.
Em seguida, outras empresas conseguiram liminares que impediam que a inadimplência decorrente do não pagamento dos débitos das usinas hídricas fossem descontados dos valores que tinham a receber na CCEE.
Nessas liquidações da CCEE, que funcionam como em um condomínio, a inadimplência é descontada dos pagamentos feitos a quem tem créditos no mercado --geralmente operadores de termelétricas, como a Petrobras (SA:PETR4), usinas que produziram mais energia que o contratado ou consumidores com sobras contratuais de energia.
"Você tem as próprias regras de funcionamento do mercado questionadas na Justiça. Nesse momento, até grupos de agentes que não costumavam judicializar questões acabaram buscando liminares", afirmou o especialista em energia da Demarest Advogados, Raphael Gomes.
A estatal federal Eletrobras (SA:ELET3), por exemplo, conseguiu liminar que a livrou de pagar 1,3 bilhão de reais à CCEE em outubro.
A situação coloca pressão sobre o governo e a Aneel para que se encontre logo uma solução para a guerra judicial, mas complica também o fluxo de caixa de diversas empresas que recebiam pagamentos nas liquidações da CCEE.
"Tem térmicas que recebem créditos via CCEE que estão sem receber (como as da Petrobras)... além de usinas à biomassa que estão no pico de safra, gerando sobras de energia", exemplificou o diretor da comercializadora Nova Energia, Gustavo Machado.
"Temos como clientes diversos consumidores industriais que estavam com sobras de energia devido à redução de produção e tinham créditos na CCEE... as empresas estão se perguntando por quanto tempo vamos ter que conviver com isso (a liquidação parada e a inadimplência)", disse o sócio da consultoria GV Energy, Pedro Machado.
Procuradas, a Aneel e a CCEE comentaram imediatamente.
(Edição de Roberto Samora)