RIO DE JANEIRO/SÃO PAULO (Reuters) - O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, propôs nesta quinta-feira junto a órgãos do setor de energia a realização de leilões regionais para contratar termelétricas a gás natural, com a primeira licitação prevista para o Nordeste.
O objetivo é substituir usinas a óleo e diesel mais caras cujos contratos vencem nos próximos anos, mas a ideia que vem sendo avaliada há alguns meses na pasta não é uma unanimidade.
Alguns especialistas argumentam que parecem faltar justificativas técnicas para uma contratação nesse formato e que a medida poderia gerar custos desnecessários para os consumidores no futuro.
Participaram de uma reunião nesta quinta-feira sobre os planos para o leilão, além de Moreira, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, e o presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Reive Barros.
As autoridades, no entanto, não comentaram uma possível data para a realização do certame.
O presidente da EPE defendeu que o leilão permitiria substituir térmicas a óleo cujos contratos vencem entre 2023 e 2024 e somam cerca de 5 gigawatts em capacidade.
Ele também afirmou que a medida reduziria emissões de carbono frente às das usinas a óleo e que térmicas a gás que operem na base do sistema no Nordeste seriam importantes para assegurar uma independência energética para a região, um conceito que poderia ser levado a outras localidades no futuro.
"A visão é que as regiões sejam autossuficientes energeticamente e maximizar o aproveitamento de geração das fontes onde cada região está vocacionada", disse Barros.
PROPOSTA POLÊMICA
Os argumentos do governo para a realização do leilão, no entanto, têm sido questionados por alguns importantes especialistas.
O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana lembrou que o sistema elétrico do Brasil é totalmente interligado --com exceção de Roraima--, o que permite que uma região supra as necessidades de outra com o envio de energia por meio das linhas de transmissão, o que reduz os custos globais de operação.
Santana, que atualmente dirige a Abrace, associação que representa grandes consumidores de energia, disse que mesmo a proposta de garantir independência regional na geração de energia não seria suficiente para explicar a ideia do leilão, uma vez que a região que mais depende de importações atualmente é o Sudeste, onde se concentra o consumo.
"Essa ideia de autossuficiência regional é preocupante, porque o sistema elétrico desde os anos 70 vem sendo planejado, expandido e operado com o conceito de interligações... agora, faltando três meses para o final do governo, para quê se fazer uma mudança conceitual tão importante assim?", questionou.
Antes, a consultoria especializada em energia PSR já havia divulgado um relatório com duras críticas à proposta do leilão, que segundo ela poderia resultar em sobra de energia no futuro e aumentar custos para os consumidores.
A PSR argumentou que a saída de operação das térmicas a óleo que o governo diz querer substituir já será compensada por projetos contratados em leilões de energia nos últimos anos.
Um leilão A-6 na semana passada, por exemplo, contratou 2,1 gigawatts em capacidade de novos projetos de geração para atender à demanda a partir de 2024, incluindo uma térmica a gás da Eneva (SA:ENEV3).
Para o diretor de Regulação da consultoria Safira Energia, André Cruz, a troca de usinas a óleo por térmicas a gás poderia em tese reduzir custos, mas é difícil entender como viabilizar essa contratação sem impactar tarifas no atual cenário.
"Não está claro que tipo de leilão seria feito, mas hoje a gente tem uma dificuldade de as distribuidoras contratarem energia porque o consumo caiu com a crise... e o país veio fazendo grandes investimentos em interligação, em transmissão. Precisaria se fazer um estudo técnico mais embasado para poder falar realmente se isso faz sentido", apontou.
Ao divulgar a proposta sobre o leilão, o Ministério de Minas e Energia defendeu que a medida visa "diminuir os preços de energia elétrica para o consumidor" e ainda "fomentar o aproveitamento do gás natural produzido no Brasil, especialmente na região do pré-sal e no Nordeste".
(Por Marta Nogueira, Rodrigo Viga Gaier e Luciano Costa)