Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Um ciclo de superoferta dos principais produtos exportados pelo Brasil, como soja e minério de ferro, provocará uma derrocada dos preços dessas commodities no ano que vem, afetando o saldo comercial do país com implicações para o próximo governo.
As exportações brasileiras de minério de ferro, soja e farelo de soja somam no ano, até o final de agosto, cerca de 44,5 bilhões de dólares, ou quase 30 por cento do total exportado pelo país no período. Mas esta situação deverá mudar profundamente em 2015, considerando a expectativa de queda dos preços médios dessas commodities no ano de 10 a quase 30 por cento em relação a 2014.
O efeito da superoferta --gerada pela safra recorde norte-americana de grãos e pela grande expansão da produção das três maiores mineradoras globais, incluindo a Vale-- deverá ser agravado pela saída de investidores de mercados futuros de matérias-primas em busca de maiores lucros em outros ativos, como os dos títulos públicos dos EUA.
"Vai ser ano de surpresas não boas, qualquer que seja o governo. E isso estamos falando sem crise (internacional), se houver uma crise, o cenário piora muito", disse o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
Citando dados da associação da indústria de soja (Abiove) divulgados esta semana, de recuo de 6 bilhões de dólares nos embarques do grão, farelo e óleo, e projeções de queda dos preços do minério de ferro no ano que vem, Castro avalia que o valor das exportações brasileiras poderá cair cerca de 8 bilhões de dólares no próximo ano, considerando apenas esses dois produtos.
A baixa dos preços das commodities agrícolas ainda poderá causar redução das exportações de outros produtos, como os manufaturados. Isso porque a Argentina, um dos principais parceiros comerciais brasileiros e grande exportador agrícola, deverá importar menos por conta da receita agrícola menor.
Esse efeito indireto, segundo o dirigente da AEB, representaria 2 bilhões de dólares a menos de exportações brasileiras para o país vizinho.
"Se consideramos que as exportações devem cair 13 (bilhões de dólares) este ano (ante 2013) e mais 10 (bilhões) ano que vem, estamos andando para trás, como um siri", afirmou o presidente da AEB.
Com a queda dos preços do milho, também em função da supersafra nos EUA, e o reflexo disso para os preços da carne de frango, importante produto da pauta de exportação do Brasil, há possibilidade de o país registrar déficit comercial no próximo ano.
Isso ainda dependeria bastante das importações --se elas continuarem caindo, diante de uma economia fraca, o saldo negativo ainda poderá ser evitado.
O Brasil não registra déficit comercial anual desde 2000, mas o superávit vem caindo nos últimos anos, elevando o déficit em conta corrente --um dos indicadores externos mais observados por investidores. No ano passado, a balança foi superavitária em 2,4 bilhões de dólares, e neste ano, até a terceira semana de setembro, está deficitária em 507 milhões de dólares.
Com a entrada menor de recursos externos via balança comercial, a tendência é o dólar subir, pressionando a inflação, o que pode exigir do próximo governo um aumento dos juros, avaliou Castro.
MENOS CATASTROFISMO
Na visão da Abiove, as receitas com as exportações de soja e farelo de soja devem cair no próximo ano apesar de embarques recordes.
Os fluxos de minério de ferro, lideradas pela Vale, maior produtora mundial, também deverão crescer, mas a cotações seguirão pressionadas, após alcançarem mínimas de cinco anos recentemente, por conta da oferta maior do que a demanda.
Previsões como a do Citibank, por exemplo, apontam preço do minério de ferro caindo 20 por cento em 2015 ante 2014, para 80 dólares/tonelada. O governo da Austrália, maior exportador global, prevê média de pouco mais de 90 dólares/t.
O diretor de Pesquisa Econômica da GO Associados, Fabio Silveira, agregou mais um fator para a queda dos preços-- a saída de investidores dos mercados futuros.
"Tem o excesso de oferta, mas tem um movimento financeiro grande, os mercados de commodities não estão desvinculados dos movimentos financeiros. Os mercados de commodities estão tendo redução de contratos, em função da alta dos juros. Os investidores estão aplicando em títulos públicos que pagam mais... essa migração já está em marcha e tende a se intensificar", destacou.
Mesmo assim, ele tem uma visão menos pessimista para a balança comercial em 2015.
Tal como Castro, da AEB, Silveira acredita que as exportações de petróleo do Brasil deverão ter volumes crescentes e poderão aliviar a situação da balança comercial.
Ele ponderou, ainda, que o impulso dado à economia global pelo bom desempenho do PIB dos EUA, que cresceu no ritmo mais rápido em dois anos e meio no segundo trimestre, não pode ser menosprezado para efeitos do comércio brasileiro.
"Não seria tão catastrofista, porque a economia americana está indo bem, e se a economia americana vai bem, e tende a continuar indo bem, isso fortalece ou pelo menos evita que a China tenha desaceleração muito forte", disse. "Consequentemente, se temos um problema de preço, em alguma medida essa queda de preço de commodity tende a ser parcialmente compensada pelo aumento dos volumes exportados", argumentou Silveira.
Ele disse ainda que em 2015 o país terá outro cenário com um câmbio mais forte. "Vai aumentar exportações de outros setores, a exportação de carros tende a melhorar um pouco... Não que a taxa de câmbio vai ser um elixir... mas vai melhorar têxteis, autopeças, vai dar um fôlego absolutamente necessário para a indústria", disse, pressupondo um cambio de 2,45-2,50 reais.
O dólar fechou cotado nesta sexta-feira a 2,4160 reais, em queda de 0,57 por cento, após atingir 2,442 reais no intradia.