Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - O preço do boi gordo no Brasil subiu cerca de 10% em março, acumulando a maior alta mensal desde novembro de 2021 com a reabertura da China para a carne brasileira impulsionando a demanda, o que poderá ter algum impacto na inflação, segundo dados do centro de estudos Cepea e avaliação de especialista da FGV.
Com as recentes valorizações, a arroba bovina já é negociada praticamente nos mesmos patamares registrados em meados de fevereiro, antes do embargo da China em função de um caso atípico de "mal da vaca louca" no Pará, segundo relatório do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, divulgado nesta quarta-feira.
O indicador do boi gordo Cepea/B3 encerrou fevereiro a 267,95 reais a arroba, com queda de 7,2%, após marcar mais cedo no mês passado cerca de 300 reais. Com a reabertura na semana passada do mercado da China, que compra mais da metade da carne exportada pelo Brasil, o mercado subiu 10,2% em março até o dia 28, para 295,2 reais.
Essa alta deverá ser repassada para a carne, fortalecendo os preços após uma queda no varejo também na esteira da maior oferta doméstica gerada pelo embargo chinês, que foi encerrado na última semana em meio a uma missão oficial do governo brasileiro.
O contrafilé, importante componente da inflação, recuou 2,04% na última divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), colaborando para uma desaceleração no segmento de Alimentação do indicador. Mas a pausa na alta de preços deve ser curta.
"Isso (a suspensão do embargo) pode sim impactar (os preços). Nós sabemos que uma parte da trégua que o preço da carne ofereceu no último mês (no indicador da inflação) tem a ver com os embargos da China...", disse o coordenador dos índices de preços da FGV, André Braz, lembrando que a maior oferta no Brasil pelo impedimento para exportar ajudou a limitar "as pressões inflacionárias sobre a carne".
Segundo dados do centro de estudos da Esalq, a alta da arroba bovina em março é a maior acumulada em um mês desde novembro de 2021, quando o indicador avançou "significativos" 25,26% e havia forte retração da oferta por pecuaristas, em meio a um embargo para exportar à China, também por casos atípicos de "vaca louca", que eram dois naquele ano.
O contexto pecuário atual é outro, contudo, uma vez que o Brasil agora está em um ciclo de maior oferta de animais para o abate.
O Cepea citou ainda que a carcaça casada do boi no atacado da Grande São Paulo acumula desvalorização de 1,71% em março, negociada a 18,88 reais/kg na terça-feira. "Ou seja, as recentes altas nos preços da arroba não foram repassadas à carne negociada no atacado, devido à chegada de final de mês e ao consequente menor consumo."
Cenário para 2023
Apesar da retomada de compras pela China, o especialista da FGV não considera que a carne e mesmo outros alimentos possam ser os vilões da inflação em 2023, como aconteceu em anos recentes.
Falando especificamente do curto prazo, ele lembrou que os preços da carne na inflação estão mais comportados também pelo período da quaresma, quando muitos católicos evitam o consumo de cortes bovinos.
"Então é um período em que a carne bovina tem diminuição da demanda e o ovo aumenta, o ovo sobe mesmo na quaresma porque é uma fonte de proteína, mas não é carne, há um efeito de substituição neste período", disse.
O preço do ovo subiu 8% no IPCA-15.
"Acho que o preço da carne vai subir em algum momento, você está mandando mais carne lá pra fora (com a reabertura da China) e está desabastecendo o mercado doméstico, isso já vai ter alguma repercussão sobre preços, mas ainda vai ser mais lento porque ainda estamos na quaresma", comentou.
Olhando mais adiante, ele disse não acreditar que a carne possa impulsionar de forma importante a inflação em 2023, diante de fatores climáticos que deverão garantir uma safra recorde de grãos, usados nas rações de aves e suínos.
"Choveu bem, as condições de pastagem vão bem, tem uma safra recorde de grãos, alimento de modo geral com certeza vai ter uma inflação acumulada menor em 2023, até porque os alimentos foram os vilões da inflação nos últimos anos."
Braz salientou que, com os custos de ração animal caindo, os gastos com criações diminuem, especialmente de suínos e aves, "e os preços das carnes podem avançar mais devagar".
"Isso pode beneficiar mais aves e suínos e menos bovinos, porque o boi é em geral criado nos pastos no Brasil. Mas se os preços de suínos e aves caírem, isso desestimula o consumo de carne bovina, o que pode controlar o preço da carne em 2023."
(Por Roberto Samora)