Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Alvo de resistências antes mesmo de chegar ao Congresso, a proposta do governo de liberar as terras indígenas para exploração econômica encaminhada à Câmara nesta quinta-feira trouxe à tona uma esperada repercussão, tanto de entidades favoráveis, como também contrárias à iniciativa.
"O ‘sonho’ do governo Bolsonaro é na verdade a vontade de atender os interesses econômicos que impulsionaram a sua candidatura e sustentam o seu governo, mesmo que isso implique em total desrespeito à legislação nacional e internacional que assegura os nossos direitos fundamentais”, afirma a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em nota.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração também repudiou o projeto, afirmando que a proposta “coloca em riscos a maioria dos povos indígenas do nosso país”.
“Todas as etnias que possuem minérios em seus territórios estarão em risco de extinção”, diz a nota do comitê.
Já o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que disse ainda avaliar o conteúdo da proposta, apontou que a Constituição permite a mineração em terras indígenas e lembrou que o texto editado pelo Executivo atribui funções técnicas à Agência Nacional de Mineração (ANM) para a avaliação de terras a serem exploradas, o que implicaria em maior segurança para as partes envolvidas.
“O instituto acredita que será salutar o debate nacional em relação a esta proposta para que a sociedade preste contribuições à iniciativa do governo federal. As mineradoras, representadas pelo Ibram, defendem que a mineração em terras indígenas, caso venha a ser regulamentada e definitivamente autorizada, seja exercida de forma segura para as pessoas e o meio ambiente, com responsabilidade social e sempre legalizada, aderente, portanto, à legislação”, diz a entidade.
Enviado pelo governo federal ao Congresso nesta quinta-feira, o projeto libera a exploração mineral em terras indígenas e autoriza também a liberação de outras atividades econômicas, incluindo agricultura, pecuária e a exploração do turismo.
Uma das promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, abre as terras indígenas para exploração econômica, uma reivindicação vinda principalmente de garimpeiros e empresas de exploração mineral, e vista com restrições por boa parte das comunidades indígenas.
Em uma avaliação preliminar, o instituto de análises do setor elétrico Acende Brasil considera que a regulamentação do Art. 231 da Constituição, sobre o reconhecimento dos direitos em terras indígenas, está sendo enderaçada no projeto de lei, o que pode ajudar a destravar uma série de projetos na região Norte do país, de hidrelétricas que interfeririam no território das chamadas comunidades tradicionais.
O presidente do Acende Brasil, Claudio Sales, disse que o instituto ainda está analisando o texto do projeto, mas lembrou que a estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) havia apontado, no plano decenal de energia, incertezas sobre hidrelétricas em terras indígenas que resultariam em prazo superior ao horizonte do programa para a viabilização das usinas. Entre as citadas estão a de São Luiz do Tapajós (PA), o maior projeto hídrico em potencial no Brasil.
REAÇÃO NO CONGRESSO
Parte dos parlamentares preferiu estudar o teor do projeto antes de se pronunciar, mas um grupo de deputados do PSOL rapidamente preparou um ofício endereçado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pedindo que devolva a proposta ao Executivo sob o argumento de se tratar de um texto inconstitucional.
“O envio do projeto de lei... é um total desrespeito à Constituição Federal e aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Compete, portanto, ao presidente da Casa chamar o feito à ordem para, nos termos do que determinam a Constituição Federal e o Regimento Interno, comunicar ao Presidente da República a imediata devolução do texto por sua manifesta inconstitucionalidade”, diz o ofício.
O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), membro da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e um dos autores do ofício à Presidência da Câmara, lembra que Maia chegou a se comprometer publicamente e por mais de uma vez que não iria pautar nenhum projeto de liberação de garimpo em terras indígenas. Considera difícil, no entanto que a proposta seja devolvida pelo Congresso.
“O meu sentimento é de que ele (Maia) não vai devolver”, disse o deputado do PSOL. “Mas ele assumiu o compromisso”, afirmou Rodrigues, antevendo que Maia e também o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sejam pressionados tanto por contrários quanto por favoráveis ao projeto.
“Meu sentimento é que com muita pressão a gente talvez consiga amolecer o coração do presidente da Câmara e do Senado.”
Em outra linha de atuação, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defendeu a legalização de atividades em terras indígenas. Em nota, o presidente da frente, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), argumentou que é preciso dar as condições legais para que os índios possam ter garantido o direito de produzir.
“Não se garante a dignidade indígena apenas distribuindo terra. A terra é importante sim, mas desacompanhada da normatização e das políticas públicas adequadas, servirá à reprodução da miséria e não à dignidade daqueles que queremos proteger”, afirmou na nota, que também cita Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para regulamentar a atividade agropecuária em territórios dos índios.
(Reportagem de Maria Carolina Marcello e Lisandra Paraguassu, em Brasília; Marta Nogueira, no Rio de Janeiro; Luciano Costa e Eduardo Simões, em São Paulo)