Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF), Marcelo Muscogliati, defende que os acordos de leniência firmados por empresas devem buscar, em primeiro lugar, a coleta de provas capazes de desmantelar organizações criminosas e que, por essa razão, a aplicação de multas e a reparação de danos ficam em segundo plano.
"Esse instrumento é para buscar prova, não para buscar multa. A multa e a reparação são secundários. O importante é que você tem que desestruturar uma organização criminosa, uma máfia", Muscogliati em entrevista à Reuters.
"Se você olhar só para o lado da reparação do dano, você passa a mensagem que está precificando o risco", acrescentou o subprocurador-geral da República. "Um cartel criminoso aceitaria pagar um determinado valor, colocaria isso como verba de contingência. O que queremos é que ela pare de atuar e não se estruture de novo."
O colegiado coordenado por Muscogliati, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, publicou esta semana uma orientação na qual fixa parâmetros que devem nortear futuras leniências, dias após o órgão ter homologado o acordo da J&F, alardeado como o maior do mundo em termos de pagamento de multa --10,3 bilhões de reais a serem pagos em 25 anos.
Apesar do valor, a leniência da J&F foi alvo de críticas tendo em vista o tamanho e capilaridade do grupo empresarial.
Sem se manifestar sobre o caso da J&F, o subprocurador disse que há uma série de restrições e medidas impostas ao colaborador no fechamento de uma leniência, como a apresentação de provas aptas a desarticular uma organização criminosa, o pagamento de multas e a adoção de práticas de responsabilidade social da empresa.
Muscogliati afirmou ainda que na leniência de empresas há outras vítimas, como acionistas de uma determinada companhia que tenham firmado esse tipo de acordo e que ficaram com parte do prejuízo quando da revelação das irregularidades.
"O credor privado também é prejudicado, é vítima da corrupção da empresa", observou.
AUTONOMIA
Muscogliati ressaltou que o fato de haver um acordo de leniência não impede que a empresa seja investigada por outros possíveis crimes ou irregularidades que não tenham feito parte do acerto celebrado.
Segundo o coordenador da Câmara, todo procurador da República que não tenha subscrito uma leniência tem autonomia para realizar investigações sobre um empresa que tenha fechado um acordo.
Ele citou o caso do procurador Ivan Cláudio Marx, que, por não ter participado da homologação do acordo da J&F, tem independência para manter suas apurações. Procuradores têm independência funcional, o que significa que não precisam estar vinculados aos termos de uma colaboração da qual não tenham concordado.
Marx tem dito que o grupo cometeu irregularidades na tomada de empréstimos bilionários no BNDES --a J&F, por sua vez, alega que não praticou qualquer ilegalidade e recorre aos termos da delação premiada que garantiu a executivos do grupo uma blindagem para serem punidos criminalmente.
"O Ivan pode investigar, só não pode usar a prova do acordo de leniência", disse o subprocurador. "No fim das contas, quem vai estabelecer o parâmetro sobre quem está certo ou não é o poder Judiciário", completou.
Muscogliati tem opinião diferente a do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que chamou recentemente de "bagunça" o sistema de leniência no país por ter a possibilidade de uma série de órgãos participarem de negociações. "A competição de agências é boa para o cidadão. Elas têm que ser eficientes."
O subprocurador, entretanto, lembrou que nos acordos com o Ministério Público poderá ser garantido o direito a não ser processado, por exemplo.
"Investigação criminal em primeiro lugar, e de improbidade em segundo lugar. Pode até se fechar um acordo de leniência sem a participação do Ministério Público. Pode sim, mas se não tiver crime", afirmou.
"Hoje, quando se olha para a história recente, de 2013 para cá, houve uma escalada na estrutura dos acordos de leniência", disse o suprocurador, citando o ano em que a legislação do assunto entrou em vigor. "Estamos discutindo a leniência a partir dos maiores casos da história. Seria mais simples se tivéssemos partido de casos menores", completou.
MP DA LENIÊNCIA DOS BANCOS
O subprocurador elogiou a última versão do texto da medida provisória que dá poderes para o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para firmar acordos de leniência com bancos e outras instituições financeiras em tramitação no Congresso. Ele participou de debates com parlamentares nas quais, por exemplo, retirou-se a previsão de que os dois órgãos teriam direito a manter sob sigilo acordos de leniências.
"A última versão do relatório, que vi hoje (quarta-feira) de manhã, estava boa", afirmou. "Seria uma situação esdrúxula a CVM e o BC manterem sob sigilo a leniência", completou.
Segundo ele, inicialmente a Câmara do MPF estudou o texto da medida provisória, de número 784, de 2017, e chegou a fazer uma nota técnica em que apontava pontos de inconstitucionalidade na iniciativa. Contudo, ele afirmou que, após uma série de reuniões com os envolvidos, conseguiu-se mostrar as preocupações do Ministério Público com o texto.