Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A pandemia de coronavírus e medidas adotadas por governos estaduais e prefeituras contra a disseminação da doença já têm gerado impactos negativos sobre o cronograma de obras de projetos de geração e transmissão de energia no Brasil.
Alguns fornecedores têm sinalizado possíveis atrasos devido ao impacto da epidemia sobre a cadeia global de suprimento de equipamentos, enquanto em outros casos restrições à circulação de veículos e pessoas para conter a disseminação do vírus atrapalham o andamento de construções, segundo uma empresa do setor e especialistas.
Embora o tema não gere preocupações estruturais, até devido à sobra de energia esperada devido ao menor consumo com a decretação de quarentenas pelo país, problemas no andamento de obras poderiam impactar a rentabilidade de alguns projetos, uma vez que as empresas geralmente buscam antecipar a entrega dos empreendimentos para obter receitas adicionais.
A elétrica Eneva (SA:ENEV3) disse à Reuters que foi notificada por uma empresa contratada para tocar as obras de sua termelétrica Jaguatirica II, em Roraima, de que "subfornecedores estão indicando um possível atraso de até 30 dias para entrega de alguns equipamentos".
A empresa, no entanto, disse que tem discutido "planos mitigatórios" junto à contratada e que "acredita que os atrasos não devem afetar significativamente o cronograma de execução da termelétrica".
O empreendimento da Eneva, com 126 megawatts em potência, precisa iniciar operações em junho de 2021. A usina, viabilizada em leilão do governo federal para atendimento a Roraima, tem investimentos estimados em cerca de 1,8 bilhão de reais.
Em carta à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vista pela Reuters, a Eneva disse que a Techint, contratada para as obras, alertou sobre a ocorrência de "evento de força maior" com possível impacto sobre a implantação da usina.
A Techint, segundo o documento, tomou a iniciativa após também ter sido notificada sobre evento de força maior pelas subcontratadas Siemens, Esindus e ABB, que forneceriam peças e materiais para o projeto, e por uma empresa responsável por logística de entregas dos insumos, a Hellman.
"De acordo com a Techint e seus subcontratados, isso se deve a medidas extraordinárias adotadas por diversos países europeus, asiáticos e latino-americanos (incluindo o Brasil) para a contenção da epidemia", disse a Eneva ao regulador, citando impossibilidade de atracação de navios e restrições no tráfego aéreo e terrestre.
OUTROS CASOS
O sócio especialista em energia do Demarest Advogados, Raphael Gomes, afirmou à Reuters que casos semelhantes ao relatado pela Eneva à Aneel têm acontecido em outras obras de transmissão e geração de energia pelo Brasil, muitas vezes por limitações locais.
"Estamos com diversas demandas em relação a isso. Embora até decretos municipais e estaduais mais duros, em sua maioria, liberem a parte de obras, você tem muitos casos em que elas estão sendo paradas", disse.
"Há uma obra no interior do Piauí em que a polícia mandou fechar o canteiro porque a ordem seria não deixar aglomerações. Estamos trabalhando com mandatos de segurança preventivos para evitar a paralisação de obras", acrescentou ele.
Gomes disse que muitas vezes os problemas são apenas de entendimento das legislações, uma vez que o governo federal também declarou nesta semana que atividades de geração e transmissão de energia são serviços essenciais e devem continuar mesmo com as quarentenas devido ao coronavírus.
Ele também afirmou que há movimento de sindicatos em alguns lugares para tentar forçar paradas, em meio à preocupação com a saúde de operários.
Os impactos desses problemas sobre cronogramas provavelmente levarão muitos empreendedores a pedir à Aneel perdão de eventuais punições por atraso, com alegações de motivo de força maior, disse o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ).
"Isso certamente vai ocorrer", afirmou ele, projetando no entanto que o tema poderá ser alvo de algum alívio por parte do regulador, uma vez que existe de fato uma questão de "força maior" e a demanda por energia está em queda devido à pandemia.
"Isso deve ser de fácil solução. A demanda vai cair e não vai haver uma retomada em 'V'", afirmou ele, que acredita em uma recuperação mais lenta da demanda mesmo após o fim das quarentenas.
"Vai ser como foi depois do apagão (racionamento de energia de 2001), vai crescer devagar", acrescentou.