BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro resgatou, em entrevista a ativistas de extrema-direita alemães no início deste mês, algumas de suas piores falas sobre a pandemia de Covid-19, repetindo que há uma supernotificação de mortes no país e que a maior parte dos óbitos aconteceu em pessoas com comorbidades, que apenas tiveram suas vidas encurtadas em alguns dias ou semanas.
A entrevista de pouco mais de uma hora foi concedida no dia 8 de setembro a Markus Haintz e Vicky Richter, do movimento negacionista Querdenken, ligado à extrema-direita da Alemanha. A entrevista não foi colocada na agenda do presidente e nem noticiada nas mídias sociais de Bolsonaro ou do governo. Na última segunda-feira, foi publicada nas redes sociais dos ativistas.
Ao tratar da Covid-19 com os dois entrevistadores --que divulgam teorias antivacinas e contra medidas sanitárias em seus canais na internet--, Bolsonaro alegou que os números de mortes por Covid-19 no Brasil foram inflacionados e acusou hospitais de colocarem as pessoas na UTI por que ganhariam mais dinheiro.
"Uma pessoa na UTI por Covid custa 2 mil reais por dia. Uma pessoa numa UTI com outras doenças custa 1 mil reais. Então quando uma pessoa mais humilde vai no hospital ela é levada para a UTI porque os hospitais vão ganhar mais dinheiro, então tem uma supernotificação. Isso aconteceu. O número de mortes no Brasil foi superdimensionado", afirmou Bolsonaro.
Não existe qualquer evidência do que diz Bolsonaro. Ao contrário, diversos especialistas e diversos estudos apontam para subnotificações nos casos e mortes por Covid-19. Como o Brasil nunca implementou um sistema de testagem em massa, o número de pessoas que podem ter morrido de causas advindas da Covid-19 sem nunca terem sido diagnosticadas pode ser expressivo.
Bolsonaro ainda relativizou as mortes pela doença ao dizer que a maior parte teria ocorrido em pessoas com comorbidades, com a Covid simplesmente encurtando essas vidas.
"Muitas tinham alguma comorbidade, então a Covid apenas encurtou a vida delas por alguns dias ou algumas semanas", afirmou, também negando dados que mostram o número cada vez maior de pessoas sem qualquer doença preexistente que morreram de Covid-19.
Bolsonaro voltou a defender o chamado tratamento precoce, com medicamentos hoje comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, dizendo que "pagou um alto preço" por essa defesa. Ele repetiu que não iria obrigar ninguém a se vacinar.
Mais uma vez faltou com a verdade ao dizer que vacinas como a chinesa CoronaVac são experimentais, e que não pode obrigar as pessoas a participar de uma experiência. O imunizante, na verdade, tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso emergencial e já teve sua eficácia e segurança comprovadas em testes abrangentes.
FRAUDE NA ELEIÇÃO DOS EUA
À vontade diante de entrevistadores de extrema-direita, o presidente voltou a dizer que houve fraude nas eleições norte-americanas que elegeram o democrata Joe Biden, e fez mais uma defesa do voto impresso para urnas eletrônicas.
"As informações que temos das eleições nos Estados Unidos é que as pessoas votaram mais de uma vez pelo Correio. Chegaram notícias de que algo errado aconteceu nas eleições americanas", afirmou, apesar de vários processos e recontagens terem demonstrado que isso não ocorreu.
"Mas, deixando de lado essa questão americana, nossa preocupação é que temos dois relatórios da Polícia Federal mostrando que o sistema não é aberto a auditorias. E o presidente do TSE é contrário a qualquer mudança", afirmou, contrariando novamente o fato de que o sistema de votação brasileiro é transparente e auditável.
Defendido por Bolsonaro, o projeto de voto impresso pela urna eletrônica foi rejeitado pelo Congresso.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu)