Inflação I: cenário bom
No cenário otimista dos anos 2020, um boom no crescimento da produtividade eleva a expansão do PIB real, mantém a inflação controlada, aumenta a remuneração real dos trabalhadores e amplia as margens de lucro. O relatório de produtividade e custos divulgado na semana passada pelo Bureau of Labor Statistics (BLS), contendo principalmente dados revisados do terceiro trimestre de 2024, reforçou em grande parte essa perspectiva favorável.
SAIBA MAIS: O que é e quais são os tipos de inflação
A principal revisão foi nos custos unitários do trabalho (ULC), que são um determinante central da inflação no mercado laboral. Esse indicador é calculado pelo BLS dividindo a remuneração horária pela produtividade. O ULC do setor empresarial não agrícola no terceiro trimestre foi revisado para baixo em 1,1 ponto percentual, registrando um aumento de 0,8% (taxa anualizada ajustada sazonalmente), reflexo de uma revisão equivalente na remuneração horária, que subiu 3,1%. No comparativo anual, o ULC cresceu 2,2%, abaixo da estimativa preliminar de 3,4%.
A taxa de inflação do índice de preços de despesas com consumo pessoal (PCE) acompanha de perto a inflação do ULC no comparativo anual. Até outubro, o índice geral subiu apenas 2,3%, enquanto o ULC cresceu 2,2%, ambos bem abaixo dos mais de 6,0% registrados em 2022. Em outras palavras, a redução na inflação do ULC foi o principal fator por trás da desaceleração dos preços ao consumidor desde o pico observado no verão de 2022.
No verão de 2022, Debbie e eu previmos essa moderação na inflação do PCE. Esperamos que ela permaneça na faixa atual de 2,0% a 3,0% até o final de 2025 e possivelmente até o fim da década. Contudo, há preocupações de que a atual política de flexibilização monetária do Fed possa reacender pressões inflacionárias nos próximos meses, ao estimular a demanda por bens e serviços, enquanto a política fiscal permanece altamente expansionista.
No campo fiscal, o impacto da administração Trump 2.0 na inflação é uma “incerteza conhecida”. Cortes de impostos tenderiam a elevar a demanda por bens e serviços. Já tarifas poderiam gerar um aumento único na inflação, a menos que fossem compensadas por um dólar mais forte.
A desregulamentação teria efeito predominantemente desinflacionário. Reduções nos gastos do governo federal também contribuiriam para conter a inflação, embora provavelmente não em proporção suficiente para causar um impacto relevante. A ampliação da produção de energia poderia ajudar a conter não apenas os preços de energia, mas os preços em geral.
Essas forças opostas podem tornar a trajetória da inflação no próximo ano complexa e volátil. Ainda assim, apostamos que os ganhos de produtividade continuarão a limitar a inflação do ULC, e, consequentemente, a inflação geral até 2025, possivelmente até o final da década e, quem sabe, além. Agora, vamos analisar os últimos dados de produtividade e ULC no contexto do cenário otimista dos anos 2020:
O crescimento robusto da produtividade
O crescimento da produtividade apresenta grande volatilidade em termos trimestrais.
Essa variação é menos acentuada na análise anual. Contudo, as principais tendências do ciclo de crescimento da produtividade podem ser observadas ao se focar na variação percentual em 20 trimestres consecutivos, com taxa anualizada, nos dados do setor empresarial não agrícola fornecidos pelo BLS.
Com base nos dados disponíveis, ocorreram dois grandes períodos de declínio na produtividade: durante a Grande Inflação nos anos 1970 e na primeira metade da década de 2010, após a Crise Financeira Global. Por outro lado, houve três ciclos expressivos de expansão da produtividade: no final dos anos 1950, ao longo da maior parte dos anos 1960, e na segunda metade da década de 1990. Acreditamos que um quarto ciclo começou no quarto trimestre de 2015, quando a taxa de crescimento acumulada era de apenas 0,6%. Esse índice subiu para 1,9% no terceiro trimestre de 2024.
Isso representa quase um aumento quadruplicado. Contudo, a taxa de 1,9% ainda está ligeiramente abaixo da média histórica de 2,1%—até o momento. Conforme já explicamos, projetamos que a fase atual da Revolução Digital aumentará a média acumulada do crescimento da produtividade para 3,5%, com uma margem de 0,5% para mais ou para menos, até o fim da década. Essa previsão pode parecer ousada, mas está alinhada com os ciclos anteriores de expansão.
Produtividade e PIB real
A produtividade é definida como o resultado real do setor empresarial não agrícola dividido pelas horas trabalhadas nesse setor. A taxa de crescimento dessa medida acompanha de perto a taxa de crescimento do PIB real, ambas analisadas em base anual. No terceiro trimestre de 2024, esses indicadores registraram avanços de 2,8% e 2,7%, respectivamente.
A aritmética do PIB real é simples: sua taxa de crescimento resulta da soma das taxas de crescimento da produtividade e das horas trabalhadas. Desde o início dos registros, em 1948, o resultado médio anual foi de 3,4%, com a produtividade subindo 2,1% e as horas trabalhadas, apenas 1,3%.
O crescimento da produtividade tem sido um dos principais motores da expansão econômica. Se ela crescer 3,5%, com as horas trabalhadas aumentando 1,0%, o PIB real poderia crescer 4,5%. Esse cenário não é implausível no contexto do otimismo dos anos 2020. Como mencionado, resultados semelhantes foram alcançados durante outros períodos de crescimento expressivo da produtividade.
Produtividade e horas trabalhadas
Nos últimos cinco anos, a taxa média de crescimento anual das horas trabalhadas desacelerou para 0,6%. Acreditamos que isso reflete uma escassez estrutural de mão de obra, especialmente de trabalhadores qualificados, o que sustenta nossa visão de que a economia está nos estágios iniciais de um novo ciclo de expansão da produtividade. Esse ciclo conta com vários fatores favoráveis, especialmente as inovações tecnológicas, que podem aumentar a eficiência da força de trabalho em quase todos os setores econômicos.
Produtividade e inflação de preços
Já destacamos que uma das principais falhas do modelo da Curva de Phillips é ignorar o papel da produtividade. O modelo estabelece uma correlação inversa entre a taxa de desemprego e a inflação, uma abordagem keynesiana que assume que a demanda por bens e serviços é o principal motor da economia e da inflação. Quando a demanda é forte (fraca), o desemprego é baixo (alto), o que pressiona a inflação salarial e de preços para cima (baixo).
Na realidade, há uma correlação inversa entre o crescimento da produtividade e a taxa de desemprego. Mercados de trabalho mais apertados (ou frouxos) tendem a elevar (ou reduzir) a inflação salarial, mas esse impacto nos preços costuma ser compensado por uma produtividade crescente (ou decrescente). No atual ciclo de crescimento da produtividade, esperamos que o mercado de trabalho restrito estimule ganhos adicionais de eficiência.
Produtividade e custos do trabalho
Como já mencionado, os custos unitários do trabalho (ULC) são calculados dividindo a remuneração horária pela produtividade. Em um mercado de trabalho competitivo, a remuneração real tende a acompanhar o crescimento da produtividade. A lacuna entre produtividade e salários praticamente desaparece quando o deflator de preços usado é o do setor empresarial não agrícola, em vez do índice de preços ao consumidor (IPC). Isso faz sentido, dado que as decisões salariais das empresas são baseadas nos preços que recebem por seus produtos, e não no custo de vida geral dos consumidores.
Não surpreende que a variação percentual em 20 trimestres consecutivos na remuneração horária real acompanhe de perto o crescimento comparável da produtividade. Em outras palavras, o atual ciclo de crescimento da produtividade, iniciado no final de 2015, tem se refletido em uma melhoria na remuneração horária real desde então. E a remuneração real é um dos melhores indicadores do poder de compra e do padrão de vida.
Produtividade e margens de lucro
Deveria haver uma forte correlação entre a taxa de crescimento da produtividade (na nossa série acumulada) e o nível das margens de lucro, definido como lucros antes de impostos em relação ao PIB nominal. Essa relação foi bastante consistente entre as décadas de 1950 e 1980.
No entanto, a correlação foi menos evidente nas décadas de 1990 e 2000. Desde 2010, tem sido inversa, sem explicação clara. O que sabemos é que as margens de lucro continuaram a crescer, mesmo com a fraqueza da produtividade nos cinco anos após 2010. Essa tendência deve ser mantida agora que o crescimento da produtividade voltou a acelerar desde o final de 2015.
A medida do PIB para a margem de lucro após impostos acompanha de perto a margem de lucro do S&P 500.
Ambas têm se mantido em alta desde o início da década de 1990. Isso sugere que o crescimento da produtividade pode ter sido mais forte desde 2010 do que os dados indicam, quando divergiram dessas medidas de lucro. De qualquer forma, o cenário otimista dos anos 2020 favorece o aumento das margens de lucro das empresas do S&P 500, que devem atingir novos recordes nos próximos anos.
Resumo
A produtividade é como um toque mágico: melhora tudo. Quando cresce, acelera o aumento do PIB real, modera a inflação, permite que a remuneração horária real suba mais rapidamente e amplia as margens de lucro. Este é o cerne do cenário otimista dos anos 2020.
Inflação II: cenário ruim
O que poderia comprometer esse cenário otimista? Ele pode ser desfeito por outros cenários menos prováveis, mas ainda possíveis.
Atribuímos uma probabilidade subjetiva de 55% ao cenário “anos 2020 vibrantes”, 25% a um cenário de “euforia” como nos anos 1990 e 20% a um cenário pessimista de “caldeirão turbulento”, incluindo uma calamidade geopolítica—embora crises dessa natureza pareçam afetar cada vez menos a economia dos EUA ou o mercado de ações.
Quais outros elementos de “confusão e desordem” fervem neste caldeirão, parafraseando as bruxas de Macbeth? Estão incluídas uma guerra tarifária e cambial, uma crise da dívida do Tesouro dos EUA e um possível aumento na inflação que obrigaria o Fed a interromper sua política de flexibilização monetária ou até mesmo a voltar a endurecê-la.
E a inflação no cenário de euforia?
A inflação já foi alimentada pelo Fed, com um corte desnecessário de 75 pontos-base na taxa básica desde 18 de setembro. Reduções adicionais seriam como jogar combustível no fogo. O consequente efeito riqueza—resultante de novas máximas nos preços de ações, imóveis, ouro e criptomoedas, como o bitcoin—poderia intensificar a inflação ao consumidor. Isso forçaria o Fed a elevar os juros, transformando a euforia em um colapso.
Por ora, os últimos dados indicam que a inflação pode estar travada ligeiramente acima da meta de 2% do Fed:
A inflação subjacente ao consumidor medida pelo IPC de novembro e pelo PCE de outubro registrou altas de 3,3% e 2,8%, respectivamente.
A medida comparável do PPI apontou um aumento de 3,4% em novembro. Revisões recentes nesse índice indicaram ajustes para cima, embora, ao contrário dos outros dois, ele não inclua o aluguel pago pelos consumidores.
Os componentes supercore desses índices—que excluem serviços relacionados a habitação—permaneceram elevados nos últimos meses, com 4,1% no IPC, 4,0% no PPI e 3,5% no PCE.
A pesquisa de novembro da Federação Nacional de Negócios Independentes revelou que 24% dos proprietários de pequenas empresas estão aumentando preços, enquanto 28% planejam fazê-lo. Esses números são baixos comparados ao pico de 2022, mas ainda superiores ao padrão histórico pré-pandemia.
Inflação III: cenário terrível
Reflacionistas têm observado que a trajetória da inflação na primeira metade dos anos 2020 é semelhante à dos anos 1970, quando houve um surto inflacionário seguido por uma moderação. Alertam que poderíamos enfrentar uma segunda onda inflacionária, como ocorreu na segunda metade daquela década. Esse cenário é um dos componentes do nosso caldeirão pessimista.
Nos anos 1970, duas crises geopolíticas no Oriente Médio elevaram os preços do petróleo, desencadeando a Grande Inflação daquela época.
Já nesta década, enfrentamos duas crises geopolíticas com potencial para pressionar os preços do petróleo. No entanto, os preços continuam moderados, reflexo de uma oferta global abundante e de uma demanda global ainda contida.