Tal como a soma de 2 mais 2 é 4, nós, entusiastas e investidores do universo de criptomoedas, sempre ouvimos daqueles que não conhecem o ramo que o Bitcoin — e outros criptoativos — são um parque de diversões para criminosos.
A ideia de que o Bitcoin é um paraíso para criminosos que estão em busca de um meio fácil e impune para receber suas extorsões (e outros crimes), não só é errada. Ela também esquece as características basilares da blockchain.
É o que eu vou tentar demonstrar neste texto.
Aversão à inovação
Muito antes de Satoshi Nakamoto publicar seu fenomenal white paper, a humanidade sempre teve uma certa resistência à inovação. Itens que hoje são extremamente presentes em nosso cotidiano foram, há algum tempo, rechaçados pela sociedade.
Um exemplo de dificuldade de aceitação do novo é a adversidade que o nosso cafézinho do dia a dia enfrentou até ser um item essencial na cultura ocidental.
O professor Calestous Juma, em sua obra “Innovation and Its Enemies: Why People Resist New Technologies” (sem publicação e tradução no Brasil), descreve que a rejeição dos italianos ao café era tão grande que eles apelidaram a bebida oriunda do oriente médio de “bebida do satã”.
Também há relatos afirmando que o café poderia causar esterilidade. O professor Juma afirma, ainda, que essas respostas irracionais estão ligadas ao medo instintivo de novas tecnologias.
Até os automóveis foram alvos de críticas — na época em que todos usavam transporte de tração animal, inclusive a Polícia, havia o receio dos criminosos usarem carros, mais modernos, na fuga de seus crimes.
Por fim, quem nunca ouviu algum familiar mais velho (certamente nossos avós) dizendo que o micro-ondas, através de “ondas radioativas” poderia causar algo em nossos alimentos?
A novidade dos criptoativos
Voltando ao mundo dos criptoativos, mesmo que de vez em quando, algumas notas apareçam nos jornais. A última que tenho notícia foi na coluna do Ancelmo Gois, no Jornal O Globo, dizendo que milicianos e traficantes estariam usando Bitcoin em suas transações.
Não tenho notícias de grandes operações da Polícia Federal apreendendo criptoativos de traficantes e/ou de seus financiadores.
Na verdade, a figura mais carimbada nas apreensões de drogas é Benjamin Franklin — iluminista americano, um dos “Pais Fundadores” dos EUA e que estampa as notas de 100 dólares.
Pois bem, aqueles que acreditam que o Bitcoin é um parque de diversões para criminosos esquecem que as características da blockchain (um livro-razão público e imutável) permitem o rastreamento completo de todas as transações ocorridas na rede.
Os criptoativos permitem, inclusive, algo que o dinheiro não é capaz de oferecer: a capacidade de conciliar as várias transações que uma pessoa pode fazer com sua carteira.
Aliás, a característica de inalterabilidade impossibilita, por exemplo, que os criminosos apaguem o caminho dos fundos transacionados entre endereços de Bitcoin. Essa característica permite que as autoridades policiais usem uma das principais estratégias de investigação a grupos organizados: follow the money, ou siga o dinheiro.
Além do mais, reforçando a possibilidade de que as autoridades policiais já estão seguindo os rastros na rede BTC, a Science Magazine também informou que pesquisadores observaram que nós falsos da rede Bitcoin estavam analisando os dados transmitidos na rede.
O detalhe é que esses nós falsos estavam ligados a endereços de IP de centro de dados do governo americano.
Nunca é tarde para relembrarmos a entrevista do agente especial do DEA, Patrick O’Kain, ao podcast Off the Chain. Durante a entrevista, o agente afirmou que o fluxo de dinheiro é de fácil rastreabilidade quando se usa criptomoedas, entretanto, é mais difícil saber quem são os proprietários das carteiras que participam desse fluxo.
Mais recentemente, a Chainalysis, uma empresa que fornece soluções de conformidade para o ecossistema de criptomoedas, publicou uma prévia de seu Crypto Crime Report.
De acordo com os dados analisados pela empresa, as transações de Bitcoin que estariam envolvidas com crimes representaram apenas 0,34% do volume transacionado na rede. Do volume transacionado, os 3 principais ilícitos foram: esquemas ponzi, ransomware e transações na dark web.
A propósito, as pirâmides financeiras representam mais da metade das transações ilícitas analisadas pela Chainalysis – o que, se comparado aos crimes de terrorismo, tráfico de drogas, armas ou pessoas, demonstra que o crime organizado de maior potencial ofensivo continua preferindo usar os métodos convencionais para transacionar dinheiro ao redor do globo.
Com relação ao uso do Bitcoin para o pagamento de sequestros de máquinas — também conhecidos como ransomware, embora esse tipo de crime já existisse antes da criação do BTC, é notável que essa prática criminosa se tornou mais conveniente com o advento dos criptoativos.
Todavia, ouso dizer que esse tipo de crime, no longo prazo, permitirá que empresas, antes negligentes com a segurança de suas áreas de TI, tenham processos de segurança mais adequados, uma vez que o mesmo “prêmio” dos hackers pode monetizar programas bug bounty.
Bug bounty são serviços de recompensas para os indivíduos focados em descobrir bugs ou brechas em sistemas.
Por fim, encarar os criptoativos como uma ameaça cria a falsa impressão de que os produtos financeiros convencionais não são igualmente, ou mais, vulneráveis à exploração de crimes com maior potencial ofensivo – terrorismo, tráfico de drogas, pessoas e armas.
Do mesmo modo, o processo de maior aceitação das criptomoedas, aliado à implementação de regras de Know Your Customer e Anti-Money Laundering (KYC e AML, respectivamente), fará com que as transações criminosas publicadas na rede Bitcoin – e gravadas na blockchain – sejam rastreadas mais facilmente que os Benjamins usados pelos criminosos.
Por isso, se você optar por cometer um crime — o que eu não recomendo — lembre-se: use Bitcoin para movimentar os fundos oriundos do seu crime e seja preso.
Aviso: O texto apresentado nesta coluna não reflete necessariamente a opinião do CriptoFácil.