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Como a Binance construiu relações com agência ligada à espionagem russa

Publicado 22.04.2022, 16:24
© Reuters. Aplicativo da Binance em tela de smartphone
13/07/2021
REUTERS/Dado Ruvic/Illustration/File Photo

Por Angus Berwick e Tom Wilson

VILNIUS, Lituânia (Reuters) - Em abril de 2021, a agência de inteligência financeira da Rússia se reuniu em Moscou com o chefe regional da Binance, a maior corretora de criptomoedas do mundo. Os russos queriam que a Binance entregasse dados de clientes, incluindo nomes e endereços, para ajudá-los no combate ao crime, de acordo com mensagens de texto enviadas por um funcionário da empresa a um parceiro de negócios.

Na época, a agência, conhecida como Rosfinmonitoring, ou Rosfin, estava tentando rastrear milhões de dólares em bitcoins levantados pelo líder da oposição russa Alexei Navalny, disse uma pessoa familiarizada com o assunto. Navalny disse que os recursos obtidos foram usados no financiamento de esforços para expor a corrupção dentro do governo do presidente russo, Vladimir Putin.

O chefe da Binance na Europa Oriental e Rússia, Gleb Kostarev, consentiu com o pedido da Rosfin de compartilhar dados de clientes, mostram as mensagens. Ele disse ao interlocutor que não tinha "muita escolha" sobre o assunto.

Kostarev não comentou a reportagem. A Binance disse à Reuters que nunca foi contatada pelas autoridades russas sobre Navalny. A empresa afirmou que antes da guerra estava "buscando ativamente cumprir regras da Rússia", o que teria exigiu respostas a "pedidos apropriados de reguladores e agências de segurança".

O encontro foi parte dos esforços de bastidores da Binance para construir laços com agências governamentais russas, enquanto a empresa buscava impulsionar os negócios já em crescimento no país, segundo reportagens da Reuters. O relato desses esforços é baseado em entrevistas com mais de 10 pessoas familiarizadas com as operações da Binance na Rússia, incluindo ex-funcionários, ex-parceiros de negócios e executivos da indústria de criptomoedas, e uma revisão de mensagens de texto que Kostarev enviou para pessoas de fora da empresa.

A Binance continuou a operar na Rússia após a ordem de invasão da Ucrânia no final de fevereiro, apesar dos pedidos do governo ucraniano para que a empresa e outras companhias de criptomoedas bloqueassem usuários russos. Outras grandes empresas de pagamentos e fintechs, como PayPal (NASDAQ:PYPL) e American Express, interromperam serviços na Rússia desde o início da guerra.

O presidente-executivo da Binance, Changpeng Zhao, conhecido por suas iniciais CZ, disse que é contra a guerra e "os políticos, ditadores que iniciam as guerras", mas não contra "as pessoas de ambos os lados da Ucrânia e da Rússia que estão sofrendo". Zhao não comentou a reportagem. A Binance encaminhou à Reuters declarações anteriores de Zhao sobre o assunto.

Representantes legais da Binance disseram à Reuters que "o envolvimento ativo da empresa com o governo russo parou devido ao conflito". Na quinta-feira, a Binance disse aos usuários que estava limitando os serviços para grandes clientes na Rússia por causa das últimas sanções da União Europeia a Moscou.

Os volumes de negociação da Binance na Rússia aumentaram desde o início da guerra, mostram dados de uma importante empresa de pesquisa do setor, à medida que os russos se voltaram às criptomoedas para protegerem ativos financeiros de sanções ocidentais e da desvalorização do rublo.

A Binance disse que está implementando as sanções impostas pelos governos ocidentais, mas não "congelará" unilateralmente milhões de contas de usuários inocentes.

Liberdade financeira

Desde de seu lançamento há cinco anos em Xangai, a Binance cresceu para dominar o setor de criptomoedas russo, com cerca de 80% de todos os volumes de negociação, mostram dados de mercado. A Binance disse que não comenta "projeções de dados externos" e, como empresa privada, não compartilha essas informações publicamente.

Zhao, em 2019, afirmou aos russos que a missão da Binance era aumentar a "liberdade financeira" e "proteger os usuários". Os russos aderiram à plataforma, vendo-a como uma alternativa ao um sistema bancário do país.

Em linha com um projeto de lei para regular as empresas de criptomoedas, a Binance fez acordo com a Rosfinmonitoring para criar uma operação local na Rússia através da qual as autoridades do país poderiam solicitar dados de clientes, segundo as mensagens de Kostarev analisadas pela Reuters.

Questionada se a empresa havia criado essa unidade, a Binance respondeu: "Se considerarmos estabelecer uma entidade local na Rússia no futuro, a Binance nunca compartilhará dados sem uma solicitação de uma autoridade legítima."

O chefe de gabinete de Navalny, Leonid Volkov, disse à Reuters que a estrutura regulatória proposta pela Rússia pode permitir que o Kremlin identifique os doadores de criptomoedas a grupos de oposição. Desde a prisão de Navalny em janeiro de 2021, sua fundação anticorrupção incentivou publicamente os apoiadores a doarem via Binance, dizendo-lhes que essa era a maneira mais segura de fazer isso porque, ao contrário das transferências bancárias, as autoridades não saberiam a identidade dos doadores.

"Essas pessoas estarão em perigo", disse Volkov, que comanda, da Lituânia, a fundação. "Se a Binance quiser proteger seus clientes", Volkov continuou, ela "nunca deve fazer nada com o governo russo". O Kremlin não comentou sobre a captação de recursos de Navalny ou as operações da Binance.

Em resposta às perguntas da Reuters, a Binance disse que antes da guerra apoiava a legislação. Mas o conflito na Ucrânia e as sanções ocidentais a muitos bancos russos tornaram "praticamente impossível para qualquer plataforma iniciar ou considerar planos futuros na região".

Pessoas próximas à Binance disseram que a empresa apoiava o projeto de lei porque, uma vez aprovado, as corretoras de criptomoedas seriam obrigadas a fazer parceria com bancos russos, permitindo que os clientes depositassem e negociassem significativamente mais recursos.

O Ministério das Finanças disse no início de abril que terminou de redigir o "projeto de lei sobre a regulamentação das moedas digitais". Pessoas envolvidas nas discussões dizem que o governo quer agir rapidamente para transformar o projeto em lei.

Entre as agências que ajudaram na elaboração da lei está a Rosfinmonitoring, responsável pelo combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Embora nominalmente independente, a unidade atua como um braço do Serviço Federal de Segurança (FSB), o principal sucessor da KGB, da era soviética, disseram cinco pessoas que interagiram com a Rosfin. O diretor da Rosfin, Yury Chikhanchin, é um veterano dos serviços de segurança, de acordo com sua biografia oficial.

A Rosfin, em resposta por escrito às perguntas da Reuters, disse que está em total conformidade com os padrões internacionais de independência operacional em áreas como a regulamentação das atividades de provedores de serviços de ativos digitais. Chikhanchin não comentou.

A disposição da Binance de se envolver com a Rosfin até 2021 contrastou com sua atuação em outras regiões, já que algumas agências nacionais acusaram a empresa de reter informações. O regulador da Grã-Bretanha disse em agosto do ano passado que uma unidade da Binance na região "não era capaz de ser efetivamente supervisionada" depois que se recusou a responder perguntas sobre os negócios globais da empresa.

O regulador do mercado em Liechtenstein, em um relatório de 2020, disse que o trato da Binance com o órgão "não era transparente", pois a companhia se recusava a fornecer informações financeiras mediante solicitações formais.

A Binance disse que qualquer sugestão de que se recusa a compartilhar dados com autoridades que fazem solicitações legítimas é "absolutamente falsa". A empresa afirmou que tem políticas e procedimentos rígidos para avaliar tais solicitações e se reserva o direito de recusar "quando não houver propósito legal".

"Não tenha medo"

A Binance mirou na Rússia para expansão e gradualmente conquistou uma fatia dominante do mercado de criptomoedas local.

Em meados de 2021, os volumes de negociação da Binance na Rússia tornaram o país o segundo maior mercado global da corretora depois da China, inclusive entre os clientes "VIP" que negociam grandes quantidades de criptomoedas, disse uma pessoa com conhecimento direto dos dados da empresa.

Em março deste ano, a Binance processou quase 80% de todas as transações de rublo para ativos digitais, de acordo com dados do CryptoCompare, no valor de cerca de 85 bilhões de rublos (1,1 bilhão de dólares).

No entanto, em 2020, a Binance começou a chamar a atenção das autoridades russas, que na época eram hostis às criptomoedas. O órgão de vigilância de comunicações da Rússia baniu o site da empresa por supostamente exibir material proibido sobre a compra de criptomoedas. A Binance contestou a decisão no tribunal e a proibição foi retirada em janeiro de 2021.

Navalny foi preso naquele mês em seu retorno à Rússia, depois de se recuperar de envenenamento com o agente nervoso Novichok. Ele, juntamente com os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, culpou a FSB pelo ataque, uma acusação que a Rússia rejeita. A FSB não respondeu às perguntas da reportagem.

Uma parte central do caso dos promotores russos contra Navalny foi o financiamento de sua fundação. No julgamento, eles o acusaram de roubar mais de 350 milhões de rublos, então avaliados em cerca de 4,8 milhões de dólares, que a fundação recebeu como doações. Navalny negou a acusação. Volkov disse à Reuters que as forças de segurança interrogaram milhares de apoiadores que fizeram doações por meio de bancos russos. Nenhum desses doadores usou moedas digitais, disse ele.

Quando um tribunal russo proibiu a fundação de Navalny em junho de 2021, declarando-a uma "organização extremista", a entidade disse aos apoiadores no Twitter para "aprenderem a usar criptomoedas" e recomendou que abrissem contas na Binance.

A arrecadação de fundos de criptomoedas de Navalny aumentou após sua prisão. Os mais de 670 bitcoins que os apoiadores doaram via Binance e outras corretoras agora valeriam quase 28 milhões de dólares, de acordo com dados de blockchain, embora Volkov tenha dito que o valor real arrecadado é menor porque os bitcoins foram vendidos após o recebimento a um preço mais baixo.

Em um guia de instruções posterior, a fundação aconselhou os doadores a enviarem cartões de identidade para a Binance para verificação das contas, observando que ainda não havia exemplos de qualquer corretora de criptomoedas fornecendo informações às autoridades russas. "Você não precisa ter medo", dizia o guia.

Fora das sombras

Em abril de 2021, uma organização sem fins lucrativos russa chamada Digital Economy Development Fund convidou a Binance para uma reunião privada com Rosfin em um prédio do governo em Moscou, de acordo com o convite visto pela Reuters. A organização é chefiada por um ex-conselheiro de Putin em política de internet, German Klimenko, e foi criada em 2019 para desenvolver tecnologias russas. O site do fundo diz que um de seus parceiros é o Ministério do Comércio e Indústria da Rússia. Kostarev, diretor da Binance, preside o comitê do fundo sobre moedas digitais.

O Fundo de Desenvolvimento da Economia Digital e Klimenko não responderam a pedidos de comentários.

Outra corretora, a OKX, originalmente chinesa, mas agora sediada em Seicheles, também foi convidada, disse uma pessoa familiarizada com a reunião. Um porta-voz da OKX disse que a empresa recusou o convite, sem dar uma razão.

Na reunião, de acordo com as mensagens de Kostarev, a Rosfin disse que queria que as corretoras se registrassem na agência para que pudessem receber seus pedidos por informações de clientes. Kostarev escreveu ao parceiro de negócios para dizer que não via a demanda como um problema. Ele disse ao sócio que a FSB também estava interessada em criptomoedas. O executivo não detalhou.

Questionado sobre a reunião de Kostarev com Rosfin, a Binance disse: "Nós não trabalhamos, colaboramos ou fazemos parceria com essa organização." Cinco meses depois, a Rosfin enviou à Binance um questionário, obtido pela Reuters, buscando mais informações sobre as verificações de antecedentes da corretora sobre clientes e seu "canal preferencial de comunicação" com autoridades para solicitações de transações com criptomoedas. Questionada sobre esta comunicação, a empresa disse: "A Binance leva a sério suas obrigações de conformidade e vê com bons olhos as oportunidades de contato com reguladores."

Kostarev disse ao associado de negócios em uma mensagem na época do questionário que a Binance estava intensificando os esforços para se envolver com o governo na regulamentação de criptomoedas. A Rosfin estava preparada para apoiar a Binance nisso, escreveu Kostarev.

Mas o banco central russo se opôs a Moscou sobre a regulamentação das criptomoedas e a permissão para que o mercado florescesse, diante da preocupação de que isso encorajasse atividades criminosas. Muitos dos bancos centrais do mundo, cuja missão inclui controlar a oferta de dinheiro, têm dúvidas semelhantes sobre o mundo das criptomoedas. A presidente da autoridade monetária, Elvira Nabiullina, disse ao parlamento russo em novembro que "um Estado responsável não deve estimular sua distribuição (de criptomoedas)". Uma porta-voz do banco central não comentou.

Em janeiro deste ano, a Binance anunciou que havia contratado uma autoridade sênior do banco central, Olga Goncharova, como diretora. Goncharova construiria uma "interação sistemática" com autoridades na Rússia, disse a Binance.

Depois que Nabiullina propôs a proibição do uso de criptomoedas em território russo no final daquele mês, Kostarev disse ao parceiro de negócios em uma mensagem que a Binance estava "em guerra" com o banco central. Todas as outras agências governamentais russas queriam legalizar as moedas digitais, disse Kostarev. O suporte para criptomoedas estava de fato crescendo em Moscou. Após o pedido de proibição de Nabiullina, um alto funcionário do Ministério das Finanças apoiou publicamente a lei que exigiria que as corretoras de criptomoedas entregassem os nomes de seus clientes, dizendo que era necessário garantir "transparência".

Putin então interveio. Em uma reunião televisionada com ministros em 26 de janeiro, ele pediu ao governo e ao banco central que chegassem a uma "opinião unânime" sobre a regulamentação de criptomoedas. Ele disse que a Rússia tinha "certas vantagens competitivas" no setor, como eletricidade excedente, o insumo mais crucial para a criação de criptomoedas.

Duas semanas depois, o governo russo aprovou um plano de regulamentação de criptomoedas, elaborado por agências como Rosfin e FSB. Kostarev tuitou em resposta a uma reportagem sobre o anúncio: "Finalmente boas notícias."

© Reuters. Aplicativo da Binance em tela de smartphone
13/07/2021
REUTERS/Dado Ruvic/Illustration/File Photo

Em um documento que descreve o marco regulatório proposto, o governo russo disse que sem tal sistema a aplicação da lei "não será capaz de responder efetivamente a ofensas e crimes". Um banco de dados de carteiras de criptomoedas relacionadas ao financiamento do terrorismo seria criado, disse o governo, e as corretoras teriam que divulgar informações sobre seus clientes à Rosfin. O Ministério das Finanças apresentou uma versão inicial do projeto de lei em 18 de fevereiro.

Seis dias depois, as forças russas invadiram a Ucrânia. As transações com rublos na Binance explodiram quando as nações ocidentais impuseram sanções à Rússia e o Kremlin limitou as retiradas de moeda estrangeira. Os dados da CryptoCompare mostram que o volume médio diário da Binance para transações de rublos nas três primeiras semanas da guerra foi quase quatro vezes maior do que no mês anterior.

(Por Angus Berwick, em Vilnius e Londres, e Tom Wilson, em Londres)

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