A inflação não deve dar trégua para o brasileiro até o início do segundo trimestre de 2022, com índices mensais na casa de 1% até janeiro e fevereiro. "A inflação vai continuar batendo à nossa porta até abril do ano que vem", prevê o coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz. O alívio, segundo o economista, deve começar a ser sentido no bolso do consumidor com o fim da bandeira escassez hídrica na conta de luz, prometida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a partir de maio. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o sr. avalia a alta de 1,25% da inflação registrada em outubro?
Ficou acima do esperado. Eu projetava algo em torno de 1%, mas tivemos algumas surpresas. Os serviços de táxi por aplicativo, por exemplo, subiram 19%. Uma alta dessas é muita coisa, ainda que se justifique por causa do aumento dos combustíveis. Também houve aumentos das passagens aéreas, já sinalizado no IPCA-15, refeição fora de casa, lanche. É a combinação da alta dos alimentos, com energia elétrica e também a volta das pessoas às lojas, o que ajuda a promover os repasses de aumentos de custos para os preços.
No IPCA de outubro houve alta em todos os grupos. Isso mostra descontrole?
Não. O descontrole inflacionário impõe um ritmo de reajustes muito mais forte do que o atual. O que há é um contágio. Os aumentos de preços dos combustíveis e da energia elétrica ajudam a espalhar a inflação para praticamente todos os grupos de preços. Ainda que a energia elétrica tenha concentrado seu efeito máximo na inflação de setembro, existem reflexos indiretos que contaminam a prestação de serviços, a produção industrial. No caso da alta do diesel, é a mesma história. Também tivemos uma crise hídrica que não só afetou a conta de luz, mas também trouxe problemas para o campo, com quebra de safra de cana e derivados, no caso do etanol. Isso tem efeito sobre a gasolina, porque 27% da gasolina é álcool anidro.
Até quando teremos índices de inflação tão elevados?
Acho que a inflação vai continuar batendo à nossa porta até abril do ano que vem. A partir de maio, com a ajuda da energia elétrica, ela começa a desacelerar. A queda no preço da energia elétrica foi prometida pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) a partir de maio, com o fim da bandeira de escassez, que é a mais cara. A imposição dessas bandeiras fez a energia elétrica subir quase 30% neste ano. Tirando esse impacto, desoneramos a cadeia produtiva: fica mais barato produzir, prestar serviços e o consumidor terá uma conta de luz menor. Enquanto os energéticos (eletricidade e combustíveis) estiverem subindo, isso vai pressionar o IPCA. E esses aumentos não vão parar em outubro. Temos aumentos contratados para novembro, porque, no final do mês passado, o governo anunciou reajuste do diesel e da gasolina. Ambos vão continuar botando lenha na fogueira, com efeitos diretos e indiretos. Vamos ter um novembro bem inflado, com taxa em torno de 1%.
Teremos inflação mensal na casa de 1% até abril?
Acredito que a inflação mensal na casa de 1% vai durar até janeiro, fevereiro. Em dezembro, a demanda será mais forte por conta do pagamento do 13.º salário, mesmo com a economia mais fraca. Janeiro é um mês de férias, com gastos em viagens. Em fevereiro, a pressão virá de tarifas públicas importantes, como transportes coletivos, e das mensalidades escolares. Com o resultado de outubro, como fica a previsão para o ano? Estava prevendo uma inflação de 9,5% para 2021. Mas com esses resultados, acho que pode chegar próximo de 10%.
Com esse resultado de outubro, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) deve subir mais de 1,5 ponto os juros na próxima reunião?
Acredito que já deveria ter feito isso na reunião passada. O resultado de outubro mostra uma persistência maior da inflação e acho que há maior chance de que ele faça um aumento maior. E, quanto maior o aperto monetário, menor a chance de crescermos de forma robusta no ano que vem.
É factível atingir a meta de 3,5% para o ano que vem?
É muito difícil que a meta do ano que vem seja atingida, exatamente pela forma que o governo escolheu para conduzir a sua política fiscal. Para 2022, acho que uma inflação em torno de 5% está muito mais alinhada com a realidade atual do que uma inflação de 3,5%.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.