Por Luana Maria Benedito, Paula Arend Laier e Fabrício de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - Embora os efeitos e o alcance da crise bancária nos Estados Unidos ainda sejam uma incógnita, analistas do mercado financeiro afirmam que, com as informações que se têm até o momento, o Banco Central do Brasil não terá tão cedo espaço para dar início à redução da Selic.
Na segunda-feira, após a falência dos bancos SVB Financial Group e Signature Bank, o mercado norte-americano passou a precificar chances maiores de o Federal Reserve (o banco central norte-americano) elevar seus juros na próxima semana em apenas 0,25 ponto percentual --e não mais em 0,50 ponto, como vinha sendo esperado.
Em reação, as taxas dos contratos futuros de juros no Brasil também recuaram, em meio à visão de que, com juros não tão elevados nos EUA, o BC também poderia antecipar o início do corte da Selic, atualmente em 13,75% ao ano.
Analistas ouvidos pela Reuters, no entanto, descartaram a possibilidade de a crise norte-americana provocar um corte da Selic já na semana que vem ou logo depois disso --as expectativas de corte seguem concentradas nos últimos meses do ano.
“Naturalmente, quando você tem problemas com bancos, mesmo com estes dois que foram fechados, que não são de tamanho tão expressivo, temos que aguardar, ter cautela. Sempre há risco de haver perda de confiança ampliada sobre instituições financeiras que não estavam enfrentando problemas imediatos”, pondera o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores.
Apesar do cenário nebuloso, Schneider afirma que, com as informações atuais, não é de se esperar um espraiamento da crise.
“Esta terça-feira já foi um dia de mais calma e certa recuperação dos ativos. Se nos EUA ocorrer apenas uma interrupção temporária do ajuste monetário, o efeito disso aqui no Brasil também será pequeno”, acrescentou.
A MCM consultores trabalha com a expectativa de que a Selic começará a diminuir apenas no terceiro trimestre deste ano.Essa também é a perspectiva de Flávio Serrano, economista e sócio da BlueLine Asset Management, que descarta corte da Selic já na semana que vem.
“Teria que haver uma deterioração dos mercados muito forte para cortar a Selic. Cortar agora, na próxima semana, nem pensar”, afirma.
Conforme o relatório Focus mais recente do Banco Central, com projeções recolhidas até a última sexta-feira, dia em que o SVB foi fechado, a expectativa mediana do mercado é de que a Selic comece a ser cortada apenas no início de novembro, para 13,25% ao ano.
Em relatório, a XP (BVMF:XPBR31) fez ponderações. "Caso o Federal Reserve adote uma postura mais flexível, poderemos ver o Copom discutindo cortes na taxa de juros também", escreveram os analistas.
Ainda assim, a visão mais geral é de que ainda é cedo para cravar uma alteração na trajetória do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.
"Com as informações que a gente tem disponíveis até hoje, não tem nenhum argumento para o nosso BC cortar juros", disse à Reuters Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV. "Existe preocupação com o risco bancário nos EUA, mas não se sabe como isso vai afetar a segurança global, então ainda não dá para o BC antecipar uma decisão de corte."
Ele argumentou que os preços elevados de matérias primas, dúvidas sobre qual vai ser a expansão fiscal do governo Lula, um mercado de trabalho ainda aquecido no Brasil, uma inflação que segue em patamares acima da meta e incertezas em relação às metas oficiais de inflação, entre outros fatores, seguem justificando a manutenção dos juros, mesmo com os riscos externos.
Para Matheus Pizzani, economista da CM Capital, "o BC vem sinalizando nos comunicados um peso um pouco maior da inflação inercial e da questão fiscal" em suas decisões de política monetária. "Eu não acredito que (a questão do SVB e reação do Fed) seja suficiente para o Copom antecipar corte de juros. O BC precisaria de outros elementos."
Impacto limitado
Analistas afirmam ainda que, pelas informações disponíveis, o impacto da crise bancária norte-americana no Brasil será limitado. "Os bancos brasileiros não estão diretamente expostos às consequências do SVB. Os montantes de perdas não realizadas nos livros locais não são relevantes, e os índices de capital e liquidez são confortáveis", disse o Itaú BBA em relatório.
Para além da resposta do BC, agentes do mercado também ficam de olho em como os desdobramentos recentes no setor financeiro norte-americano serão utilizados na retórica do governo contra a autoridade monetária.
Para Pizzani, da CM, o episódio do SVB não deve ser usado como nova munição do governo em sua recente pressão por uma queda da Selic, argumentando que o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse na véspera que houve menos turbulência do que o esperado. "A gente está falando do chefe da economia, então não acho que esse evento vai aumentar essa pressão" por queda da Selic.
Já Padovani, do BV, afirmou que as críticas ao BC independem do cenário e vão continuar. Para ele, "esses fatores de risco de crédito local --não se sabe quão intensa será essa desaceleração do crédito, independentemente de um nome ou outro-- e internacional são fatores que se somam" à pressão do governo por juros mais baixos.
Desde a posse em janeiro, Lula tem criticado repetidamente o nível dos juros no país, atualmente em 13,75%, e o sistema de metas para a inflação, o que gerou grandes turbulências no mercado financeiro no mês passado. O petista tem alertado para uma iminente crise de crédito diante de um cenário que diz ser prejudicial ao crescimento econômico.