O economista Aldo Mendes, ex-diretor do Banco Central (BC), vê um cenário complicado para a inflação brasileira neste ano, que, na sua avaliação, poderá beirar 10%. Fatores externos incontroláveis, a reativação de mecanismos de indexação e as expectativas domésticas deterioradas por conta do quadro eleitoral e da própria atividade são fatores que devem continuar pressionando os preços. Mesmo com o forte aperto na taxa básica de juros, a Selic, que deve chegar a 14% ao final do ciclo de alta, Mendes acredita que será factível trazer a inflação para a meta (3%) apenas em 2024. A seguir os principais trechos da entrevista.
Como o senhor vê a inflação brasileira hoje?
Não se trata de um processo simples, mas intrincado. Tem um componente importado, por conta da guerra (entre Rússia e Ucrânia) e da desarticulação da oferta em virtude da pandemia. Há um componente inercial de indexação ou da memória inflacionária, muito característico do Brasil. E um componente de expectativas internas por um conjunto de fatores, seja de política ou de expectativa econômica, que faz com que alguns agentes comecem a fazer remarcações preventivas (de preço).
Por quê?
Hoje temos um único instrumento que está sendo utilizado para lidar com esse quadro, que é o aumento de juros, que é a política monetária executada pelo Banco Central. Ele está sozinho nessa cruzada. O governo está muito envolvido na campanha eleitoral, e o Orçamento está sendo usado. O pior é que há uma falsa ilusão monetária pelo lado da receita do governo, onde a inflação está fazendo com que se arrecade mais.
Como assim?
Os preços aumentam, e muitos impostos são baseados em preços das mercadorias. Isso, no curto prazo, aumenta a arrecadação. Essa ilusão monetária pelo lado da receita virou quase uma licença para gastar, e está se gastando com uma cabeça eleitoreira.
Qual é a sua expectativa de inflação para este ano?
Acima de 8%, perigando chegar a 10%. Corremos esse risco porque temos um componente estrangeiro (na inflação) que não controlamos, um componente fiscal que está solto e flutuando em torno da uma questão eleitoral. Também tem o componente da realimentação dos preços.
Até onde o BC deve subir os juros para conter a inflação?
Olhando os núcleos, (da inflação) vemos que a alta de preços é razoavelmente generalizada. Corremos o risco de terminar esse ciclo de alta de juros com a Selic perto de 14%.
Quando a inflação voltará para a meta?
Esse é o segundo grande desafio do BC: tentar trazer as expectativas de volta para a meta. Em 2022, a gente está fora e, em 2023, estamos correndo um sério risco.
É factível voltar para a meta em 2023?
Acho mais factível trazer a inflação para a meta em 2024, mas é preciso começar esse trabalho em 2023. O trabalho tem de ser muito forte no sentido de recoordenar as expectativas. Isso vai depender muito do tom do novo governo que teremos a partir do ano que vem. Seja lá quem for eleito, ele tem de dar, logo no começo, uma mensagem muito clara que pretende readequar a questão das finanças públicas, retomar o controle sobre o orçamento, que hoje, em grande parte, está na mão do Legislativo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.