Por Luiz Guilherme Gerbelli
SÃO PAULO (Reuters) - A enfermeira Ana Carolina, 26 anos, conseguiu um feito sem precedentes na família, foi a primeira a cursar uma faculdade. Hoje, no entanto, engrossa a fileira de jovens que enfrentam a radical inversão do mercado de trabalho: cresceram numa economia de pleno emprego, mas passaram a conviver com o desemprego recorde.
"Eu achava que não iria demorar muito para conseguir um emprego. Me formei em junho de 2014 e imaginei que até dezembro daquele ano estaria empregada, mas o máximo que consegui foi participar de uma dinâmica", diz Ana Carolina Gomes da Silva.
Além da graduação em uma universidade privada de São Paulo, a jovem concluiu uma pós-graduação em pediatria em 2015. No entanto, carrega apenas a experiência dos estágios que eram obrigatórios durante a graduação.
Nos últimos anos, trajetórias como a de Ana Carolina se tornaram comuns pelo Brasil, com mais jovens chegando ao ensino superior. Entre 1995 e 2015, a quantidade de universitários de 18 a 24 anos aumentou de 1,1 milhão para 4 milhões, segundo levantamento feito pela consultoria Plano CDE com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Os anos a mais de estudos, no entanto, não se traduziram na garantia de um emprego. Pelo contrário. A grande marca da atual crise --que se arrasta desde o fim de 2014-- é o forte crescimento do desemprego e, sobretudo, entre os jovens.
"Estamos formando uma geração de jovens que vai ficar com algumas lacunas por causa do elevado desemprego, como, por exemplo, não saber se portar numa empresa, ter disciplina e organização de tempo", diz o diretor-executivo da consultoria Plano CDE, Maurício de Almeida Prado.
No trimestre encerrado em março, a taxa de desemprego apurada entre os trabalhadores de 14 a 17 anos chegou a 45,2 por cento, o equivalente a 1,265 milhão de pessoas, segundo dados da Pnad Contínua, patamar recorde desde que o levantamento começou a ser realizado em 2012.
Na faixa dos 18 a 24 anos, a desocupação alcançou 28,8 por cento, ou 4,503 milhões, também a maior já apurada. Como comparação, no mesmo período, o desemprego geral também foi recorde, mas bem abaixo do observado entre os jovens, de 13,6 por cento.
"Os jovens são os grandes perdedores da crise do mercado de trabalho. O desemprego é sempre mais elevado entre eles, mas o ponto é que essa taxa que já era alta aumentou bem mais para esse grupo", afirma o diretor do FGV Social, Marcelo Neri.
Para justificar o maior impacto da crise do mercado de trabalho entre os jovens, Neri também se vale do comportamento da renda obtida pelos diferentes grupos no mercado de trabalho.
Entre o primeiro trimestre de 2015 e o primeiro trimestre de 2017, a renda recuou 15,3 por cento ao ano para os jovens de 15 a 19 anos, e caiu 7,9 por cento ao ano para aqueles com idade de 20 a 24 anos. No conjunto de todos os trabalhadores brasileiros, a queda foi menor, de 3,3 por cento ao ano.
Os mais novos acabam sofrendo com a crise por um duplo processo. Eles são os primeiros a perder o emprego por causa do custo mais baixo de demissão, ao mesmo tempo em que não encontram oportunidade no mercado de trabalho pela falta de experiência.
Os últimos números do mercado de trabalho mostraram uma leve melhora do quadro. A taxa de desocupação recuou a 13 por cento no trimestre encerrado em junho, mas com aumento do trabalho informal. Os dados detalhados sobre a desocupação por idade só deverão ser divulgados ao longo deste mês. [nL1N1KJ10V]
DECEPÇÃO
Um levantamento do Locomotiva Instituto de Pesquisa retrata bem a combinação perversa entre o avanço educacional dos brasileiros e a decepção com a falta de perspectiva para a economia brasileira. De acordo com o estudo, 72 por certo dos jovens brasileiros estudaram mais do que os seus pais, mas 75 por cento dos brasileiros com até 30 anos acreditam que o país não vai voltar a criar vagas de emprego antes de dois anos.
"Há uma crise de perspectiva. Se o jovem desistir de investir em educação e a economia voltar a crescer, o Brasil enfrentará um problema porque vão faltar professores, médicos, advogados e tudo mais", afirma Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
Desempregado há dois meses, Erick Sobral, 19 anos, ainda tenta lidar com essa falta de perspectiva e entender quem é o culpado pela falta de emprego entre os jovens.
"Eu não consigo entender em que momento erramos, em que ponto erramos para chegar aqui", afirma.
Ele trabalhava na mesma empresa de publicidade em São Paulo com a irmã de 17 anos, desempregada desde setembro do ano passado. Os dois foram demitidos com a justificativa de que a crise econômica afetou a quantidade de clientes da companhia, provocando a redução no número de funcionários.
"Moramos com a nossa mãe. Ela trabalhava numa empresa de telemarketing, mas também está sem emprego e o nosso pai não paga pensão. Estamos basicamente vivendo de seguro-desemprego", diz Erick.
Atualmente, ele estuda por conta própria para o Enem e sonha em cursar uma graduação em publicidade no ano que vem.
INVESTIMENTO PERDIDO
A deterioração do mercado de trabalho para os mais novos é preocupante porque traz efeitos não só no curto prazo, mas também no longo prazo, uma vez que está fazendo o Brasil desperdiçar o investimento feito pelo governo na educação.
"Com o desemprego elevado entre os jovens, não estamos conseguindo fazer com que o investimento em educação dê o retorno esperado para a sociedade", afirma Neri, da FGV.
No ano passado, somente os gastos do governo federal com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), destinado a financiar a graduação no Ensino Superior, foram de 19,1 bilhões de reais. Em 2010, eram 880 milhões de reais.
A crise, aliás, é tanta que os jovens que se beneficiaram do Fies também não estão conseguindo arcar com a dívida estudantil.
A pedagoga Ana Clara Ferreira, 26 anos, ainda deve 2 mil reais ao programa. Ela começou a faculdade em 2010 e desde que se formou só trabalhou por três meses na área, numa escola particular em Campos do Jordão, interior de São Paulo.
"Eu já queria ter feito pós-graduação depois que eu me formei, e acabou não dando certo", disse. Há um mês, Ana Clara conseguiu um emprego como secretária, mas ainda não pode acertar a sua dívida com o programa de financiamento estudantil.
(Reportagem adicional de Natália Scalzaretto, em São Paulo)