O Ministério da Fazenda tentou emplacar uma mudança no projeto de renegociação das dívidas dos Estados no Senado que poderia diminuir os gastos com saúde pública - uma das áreas que pressionam as contas públicas - projetados para os próximos anos. O texto, porém, repercutiu mal entre aliados do governo no Congresso e governadores, levando o Executivo a recuar e a pedir que o relator do projeto, senador Davi Alcolumbre (União-AP) retirasse o dispositivo do parecer.
A proposta alterava o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL), que serve para calcular quanto a União deve gastar com ações e serviços públicos de saúde, a partir de 2028. Além de mexer com o piso da Saúde, a mudança forçaria Estados a reduzir gastos com servidores, que são calculados pelo mesmo parâmetro - o que desagradou a governadores.
A Constituição estabelece que o governo federal deve desembolsar 15% da Receita Corrente Líquida em gastos com saúde, incluindo exames, cirurgias, construção de hospitais, postos de saúde, pagamento de profissionais e apoio a Estados e municípios. Esse gasto pressiona o arcabouço fiscal e pode deixar outras despesas do governo federal sem dinheiro a partir de 2028, como mostrou o Estadão.
O conceito de Receita Corrente Líquida está na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); portanto, a alteração não dependeria de mudança na Constituição, mas de uma lei complementar, como é o projeto do Senado. A ideia de mexer na Constituição para mudar o piso encontrou resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A proposta de alterar a LRF, que entrou na primeira versão do parecer de Alcolumbre, retirava da base de cálculo da RCL receitas extraordinárias, que o governo não arrecada a todo momento - entre elas concessões e permissões; dividendos e participações, como é o caso do lucro da Petrobras (BVMF:PETR4); receitas de exploração de recursos naturais; e receitas de programas de recuperação fiscal dos Estados e municípios com a União.
Para os Estados e municípios, a mudança impactaria diretamente nas contas públicas. A RCL serve como parâmetro para definir o limite de gastos com pessoal. Com menos receitas no cálculo, haveria pressão maior para reduzir despesas com a folha salarial. Estados mais dependentes de receitas extraordinárias do petróleo, como o Rio de Janeiro, onde um quarto da receita vem de royalties e participação especial, teriam de reduzir mais os gastos com servidores.
A intenção, de acordo com o relator, era evitar que governos estaduais e municípios usem receitas extraordinárias, que só aparecem uma vez ou outra, para aumentar gastos que se tornam permanentes e oneram a manutenção da máquina pública. "A alteração proposta é para excluir do conceito receitas eventuais, sem caráter continuado. Essa medida evita que receitas eventuais deem ensejo à assunção de despesas de caráter permanente, fortalecendo a responsabilidade fiscal", escreveu Alcolumbre. Na segunda versão, porém, a mudança desapareceu do relatório, a pedido do governo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.