Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O governo previu que os investimentos públicos em 2020 serão de apenas 19,360 bilhões de reais, ante patamar já baixo de 27,380 bilhões de reais originalmente estabelecido para este ano, num retrato da dramática situação das contas públicas, que seguem pressionadas pelo crescimento dos gastos obrigatórios.
Segundo o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, este é o menor valor para investimentos da série histórica, "nos últimos 10 anos pelo menos", advindo de "esmagamento" no orçamento provocado pelas despesas obrigatórias, especialmente as ligadas à previdência e à folha de pagamento do funcionalismo.
Os números constam em projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020, divulgado nesta sexta-feira pelo Ministério da Economia.
O texto estabelece que as despesas discricionárias, que são passíveis de corte e que contemplam custos administrativos da máquina pública, serão de 89,310 bilhões de reais, o equivalente a apenas 6% do total das despesas.
Na prática, o governo já iniciará o próximo ano com os ministérios da Esplanada em situação de estrangulamento fiscal. Em coletiva de imprensa, Rodrigues ressaltou que a cifra representa uma diminuição de cerca de 13 bilhões de reais sobre este ano. Por isso, o governo está trabalhando com medidas que possam recuperar esse espaço fiscal, acrescentou.
O secretário não detalhou as iniciativas, mas afirmou que elas serão apresentadas em breve e que têm chances de aprovação no Congresso.
"Não trabalhamos com cenário de shutdown", afirmou ele, em referência ao termo utilizado para designar paralisia na máquina pública.
TETO NÃO ESTÁ EM XEQUE
Em diversos momentos da coletiva, Rodrigues avaliou que, apesar de a regra do teto de gastos diminuir o espaço para novas despesas, o entrave real para o orçamento vem da elevação das despesas obrigatórias, que crescem acima da inflação e abocanham o espaço dos gastos discricionários.
"Nosso problema não é o teto de gastos. Nosso problema é a rigidez orçamentária, é o crescimento fortíssimo da despesa obrigatória, em detrimento das despesas discricionárias, em particular em detrimento dos investimentos", afirmou ele.
"Precisamos reformatar com flexibilização o orçamento primário brasileiro. Precisamos desobrigar, precisamos desvincular e precisamos desindexar. O orçamento é muito rígido e com forte grau de indexação", complementou o secretário.
No PLOA, o governo também indicou insuficiência de 367,031 bilhões de reais para o cumprimento da regra de ouro, que proíbe a emissão de dívida para cobertura de despesas correntes, como salários e aposentadorias.
Em apresentação, a equipe econômica indicou que, a exemplo do que foi feito para este ano, será necessário pedir autorização para o Congresso, via projeto de lei, para a realização de gastos nesse montante.
Entre as despesas condicionadas, cuja realização demandará sinal verde dos parlamentares, as de maior peso definidas pelo governo no PLOA 2020 são 156,597 bilhões de reais em benefícios previdenciários e 104,690 bilhões de reais em despesas com pessoal e encargos pessoais.
Também integram esse grupo 17,544 bilhões de reais em despesas discricionárias, 9 bilhões de reais com Bolsa Família e 6,703 bilhões de reais com subsídios e subvenções. Em relação ao expediente adotado para o PLOA deste ano, o governo agora distribuiu as despesas condicionadas entre mais rubricas, o que deve aumentar a pressão para o Congresso aprovar o projeto de lei que abre caminho para sua realização.
Também presente na coletiva, o secretário especial adjunto de Fazenda, Esteves Colnago, pontuou que a aprovação deve ser feita até junho-julho do próximo ano para que esses gastos não sejam ameaçados.
PERSPECTIVAS
No PLOA, o governo considerou um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,17% no ano que vem, alta da inflação de 3,91% pelo IPCA e um salário mínimo de 1.039 reais.
Rodrigues ressaltou que o salário mínimo, que foi apenas corrigido pelo INPC para o projeto, não representa uma política já fixada pelo governo para o salário mínimo, uma vez que o prazo para essa definição vai até o final do ano.
O governo também manteve a meta já indicada no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de um déficit primário de 124,1 bilhões de reais para o governo central.
A conta é que ele será composto por um rombo de 244,2 bilhões de reais para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e um superávit de 120,1 bilhões de reais para Tesouro Nacional e Banco Central.
Apesar de a reforma da Previdência ainda não ter sido aprovada pelo Senado, os efeitos positivos da proposta já foram incorporados no PLOA. Isso também foi feito com a reforma previdenciária dos militares, que ainda está em estágio inicial de tramitação.
Questionado se isso não contrariava o realismo fiscal que o governo defende adotar, Rodrigues respondeu que a reforma geral já está em estágio bastante avançado no Congresso. Sobre a reforma dos militares, avaliou que o texto também será aprovado.
Este será o sétimo ano seguido em que as despesas públicas vão superar as receitas, com o governo não conseguindo economizar para o pagamento da dívida pública.
O secretário especial de Fazenda afirmou que o governo se esforçará para zerar o déficit primário antes de 2022, mas destacou que a maior preocupação do governo é com a diminuição do déficit nominal, que abarca o pagamento de juros da dívida pública.
Segundo Rodrigues, medidas de desinvestimento, de desestatização, um programa forte de concessões e a busca de recursos que foram emprestados no passado ao BNDES ajudarão na tarefa.
Na apresentação do PLOA, o governo previu que o déficit nominal cairá a 5,4% do PIB em 2022, ante patamar de 5,7% em 2019 e 5,8% em 2020.
Para o primário, a perspectiva é de déficit cadente até 2022, fechando o último ano do mandato presidencial em 0,4% do PIB, sobre rombo de 1,9% do PIB neste ano e de 1,6% em 2020.
(Com reportagem adicional de Gabriel Ponte)