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Kawall vê viés negativo para economia e espaço para Selic chegar a 1% no começo de 2021

Publicado 27.07.2020, 09:23
© Reuters. (Blank Headline Received)
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Por Marcela Ayres e José de Castro

BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - Na contramão de discurso recente do Banco Central, o diretor do ASA Bank e ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, vê um viés negativo para a economia brasileira neste ano, na esteira do mergulho sofrido pelo setor de serviços, cenário que acomoda mais cortes na Selic até chegar ao patamar de 1% no começo de 2021.

Em entrevista à Reuters, ele pontuou que a pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE tem descortinado um cenário sombrio para o mercado de trabalho, sustentando cálculo do time do ASA de que a taxa de desemprego está hoje em torno de 20% no país.

Kawall também questionou a eficácia do programa de auxílio emergencial em dar tração à atividade após o impacto frontal imposto pela pandemia de coronavírus à economia. Ao custo de 254 bilhões de reais por cinco meses, o programa concede benefícios mensais de 600 reais a informais e vulneráveis.

"Desconfiamos que esteja havendo supervalorização do programa emergencial quanto a seu impacto econômico", afirmou.

A mensagem também diverge da que vem sendo martelada por membros da equipe econômica e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que avaliou recentemente que a influência do auxílio emergencial sobre a economia deve durar pelo menos até o final do ano. Para Campos Neto, o auxílio deve embalar os números de varejo pelo fato de um volume grande de dinheiro ter sido direcionado a uma classe com tendência de gastar e que não tinha poupança antes.

Por ora, os recursos injetados via auxílio não têm circulado de maneira significativa. O BC, inclusive, pediu aval para mais dinheiro em espécie ser impresso no país, antevendo sua falta já em agosto num momento em que o cenário de incertezas tem estimulado a população a guardar cédulas.

O economista-chefe do ASA, Gustavo Ribeiro, ponderou que, numa análise regional, a distribuição do auxílio tem sido concentrada em regiões de mais baixa renda. A crise, por sua natureza, afetou mais duramente o setor de serviços, que é mais desenvolvido em regiões com renda média maior. Os recursos, portanto, não parecem estar ajudando a população mais afetada pela crise, ainda que estejam impulsionando expressivamente a renda dos menos favorecidos.

Kawall, por sua vez, cita uma "concentração" de programas de renda neste momento e o risco de uma alteração permanente no padrão de consumo da população --seja por medo de sair de casa por causa da pandemia ou mesmo por mudança de hábito-- e seus potenciais impactos sobre o setor de serviços, destacado por ele como grande empregador no Brasil.

"Se esses recursos até agora não estão ajudando, aparentemente, a melhorar o mercado de trabalho, não parecem ter o formato que ajude o setor de serviços. Inclusive podemos ver as pessoas saindo da crise com padrão mais poupador", destacou Kawall, citando hipótese de mergulho da atividade no quarto trimestre, quando passarem os efeitos dos programas de recomposição de renda.

O ASA vê queda do PIB de 5,8% este ano, melhor do que o tombo de 6,5% calculado antes. Mas Kawall pontuou que o quadro todo é "muito preocupante" e que o viés é negativo para a estimativa.

A expectativa do ASA Bank fica em linha com a mediana de previsões compiladas pelo Banco Central junto a analistas de mercado. Na mais recente pesquisa Focus, a estimativa é de contração do PIB de 5,77% em 2020 --longe da projeção de crescimento de 2,33% do começo do ano, mas uma retração menor que a de 6,6% apurada no fim de junho.

Já o Ministério da Economia reafirmou neste mês que a contração do PIB será de 4,7%, estimativa que havia feito pela primeira vez em maio.

Com a economia correndo riscos de novo enfraquecimento, o ASA vê espaço para mais cortes na Selic, com redução de 0,25 ponto percentual já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, em 4 e 5 de agosto.

Isso porque, segundo o economista-chefe do ASA, apesar de os juros estarem em patamar historicamente baixo, o hiato do produto (a distância do crescimento em relação a seus potencial) ainda está "aberto" (negativo) e a inflação está "tranquila", com núcleos rodando na casa de 2%, abaixo do centro da meta de inflação neste ano (​4%).

"Pela Regra de Taylor, a necessidade seria de a Selic se aproximar de zero, ficar entre 0,25% e 0,50%", disse Ribeiro. A Regra de Taylor é uma regra de política macroeconômica segundo a qual o nível de juros decorre de relações entre inflação, metas de inflação e desvio entre o crescimento realizado e potencial.

O ASA vê cortes de juros até a Selic atingir 1% na primeira reunião do Copom de 2021, em 19 e 20 de janeiro. A pesquisa Focus do BC mostra que, no geral, o mercado projeta taxa de 2% entre agosto de 2020 até maio de 2021, com gradual elevação até 3% ao fim do ano que vem.

Hoje, a Selic está em 2,25% ao ano.

JURO BAIXO E FINANCIAMENTO

Kawall não compartilha da tese de que o nível mais baixo dos juros pode causar problemas de financiamento público, mas pondera que os efeitos da Selic baixa na atratividade da caderneta de poupança é um fator que merece atenção.

"Nós não temos situação de curva de juros flat ou juro negativo ao longo da curva. Longe disso. Então será que a Selic seria trigger (gatilho) de problema de financiamento? Tendo a entender que não", disse.

"Evidentemente a poupança continua sendo um problema pelo fato de que o recurso é direcionado, ela tem isenção (de Imposto de Renda), ela tem rendimento fixo --enfim, agora atrelado à Selic--, continua sendo uma distorção do nosso sistema. Mas é o que é. Por outro lado, está forçando os fundos a reduzir taxa de administração, o que é bom para o consumidor."

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Kawall entende que pode haver um patamar de juros a partir do qual a dívida pública encontre problemas para financiamento, mas não vê esse nível "tão alto assim".

"A princípio você chegar e dizer 'não posso (cortar os juros) por causa da dívida pública, não posso por causa do dólar...' () Se tem risco, faz aos poucos. Vai descobrindo. Agora, abrir mão também da política monetária numa inflação cadente, parar os juros antes com a inflação desabando, o grau de estímulo vai diminuir porque o juro real vai aumentar. Não tem opção simples", afirmou ele, sobre debates acerca de riscos de mais cortes no juro básico.

Para o ex-secretário do Tesouro, o juro baixo não afeta a volatilidade cambial, como pregam algumas correntes no mercado financeiro, mas impacta nível da taxa de câmbio, que para ele não é alvo de preocupação. "O câmbio é flutuante", resumiu.

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