Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) - O governo terá que renovar os programas para conter demissões que lançou em meio à crise do coronavírus de forma a amortecer o impacto das medidas de isolamento social sobre o emprego, mas as perspectivas de novas contratações nos próximos meses são muito limitadas, afirma o professor da USP José Pastore, que prevê dois ou três anos de "muito sofrimento" para o mercado de trabalho no Brasil.
Em entrevista à Reuters, Pastore, que preside o Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e é um dos principais especialistas do país na área do trabalho, disse que, enquanto não houver uma solução na área de saúde para a Covid-19, a perspectiva é de um cenário de atividade econômica reduzida, com abre e fecha de empresas e consumidores receosos.
"A retomada do comércio e dos serviços será gradual, será setorial, será sequenciada, vai ter uma série de requisitos para manter distanciamento. Então, durante um bom tempo vamos ter o abre e fecha das empresas. Elas abrem e se tiver algum sinal de reinfecção fecham de novo", afirmou. "E mesmo se continuarem abertas não vão precisar de tantos empregados como precisavam antes."
Diante dessa perspectiva, ele considera inevitável a prorrogação, por seis meses, das regras introduzidas pelas medidas provisórias 927 e 936, que flexibilizaram algumas regras trabalhistas durante a pandemia e permitiram a redução salarial ou suspensão do contrato de trabalho.
Para Pastore, sem essas iniciativas, o país teria visto já em abril o fechamento de 3 milhões de vagas formais ou mais. Dados divulgados na quarta-feira mostraram que no mês passado o país perdeu 860,5 mil postos, pior resultado mensal da série do governo, com início em 1992.
"É um dado preocupante, mas por trás dele existe esse anteparo, as medidas estão segurando um pouco essa onda", afirmou Pastore.
Ele considera que a prorrogação dos programas, que se encerram no final do ano, será necessária, mas já alerta que, com o tempo, as medidas se tornam menos efetivas sem a volta das receitas das empresas.
"Vão ter que criar outras coisas para ver se segura um pouco mais o emprego porque, do contrário, vamos ter um quadro avassalador nesse país que tem uma força de trabalho muito grande, de mais de 100 milhões de pessoas."
Diante de todas as incertezas, Pastore não se arrisca a prever a quanto pode ir o desemprego no país, mas afirma que uma taxa de 20% seria um quadro avassalador. Nos três meses até abril, o desemprego ficou em 12,6%, segundo dados do IBGE divulgados nesta quinta-feira.
O professor vê com bons olhos iniciativas já aventadas pelo governo de adotar medidas para desregulamentar os contratos de trabalho, na linha da Carteira Verde e Amarela --que foi criada por MP para facilitar a contratação de jovens, mas perdeu a validade sem ter sido aprovada pelo Congresso-- ou mesmo a criação de frentes de trabalho para absorver mão de obra temporária.
"Mas nada disso vai nos livrar de dois ou três anos de muito sofrimento na área do trabalho", disse Pastore.
VAGAS EM EXTINÇÃO
Entre os setores que vão levar mais tempo para retomar alguma normalidade Pastore destaca o de turismo e o de entretenimento. Outras vagas, afirma, tendem a desaparecer de forma definitiva passado o período de isolamento social, que está ajudando a consolidar o trabalho remoto.
Ele dá como exemplos vagas como os de motoboy e copeiras em escritórios.
"Não é que vai desaparecer uma profissão sofisticada, vão desaparecer muitas profissões simples também pela renovação do modo de produzir e de vender", afirmou.
Para os trabalhadores sem carteira assinada, Pastore afirma que a retomada pode ser um pouco mais rápida exatamente por se tratar de um segmento desregulamentado, e portanto mais "móvel". Mas ainda assim, uma melhora vai depender muito do poder de compra do consumidor.
Enquanto o consumo segue em baixa com as medidas de isolamento e as incertezas, ele aponta que a situação do trabalhador informal é bastante crítica em vários aspectos. Pastore ressalta, como exemplo, que as mulheres estão sendo proporcionalmente mais atingidas por essa crise, por terem participação elevada nos setores de serviços e comércio.
Nesse contexto, ele afirma que o auxílio emergencial de 600 reais aprovados pelo Congresso está sendo de extrema importância, e também precisará ser prorrogado.
Pastore afirma que o país também já passou da hora de buscar soluções de proteção mais amplas e flexíveis para o trabalhador informal e autônomo, avançando em regimes como o MEI, que garantiu a cobertura de Previdência a microempreendedores. Mas ele ressalta que, durante a crise, não é possível avançar nisso.
"Agora tem que gastar", afirma, em referência aos programas governamentais.