Por Jessica Bahia Melo
Investing.com - Com a inflação fora da meta novamente, o Banco Central deve publicar ainda nesta terça-feira, 10, carta aberta ao presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN). Segundo o BC, o documento será publicado às 18h30. O CMN é órgão responsável pela definição das metas inflacionárias e tem como chefe o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O documento deve elencar os motivos do descumprimento da meta de inflação em 2022. Na avaliação do economista Alexandre Schwartsman, que já foi diretor de assuntos internacionais do BC, a carta terá novidades em relação aos preços administrados e ainda deve reforçar cautela com o cenário fiscal.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 5,79%, acima do centro da meta de 3,50% e do limite de tolerância superior de 5,00%.
Confira a entrevista com o economista:
Investin.com: Quais motivos levaram ao descumprimento da meta de inflação novamente?
Alexandre Schwartsman: O número foi ruim não só pelo fato de ter surpreendido bastante para cima, mas quando a gente olha as aberturas do índice, particularmente os núcleos, a gente vê núcleos surpreendentemente carregados, muito mais do que a leitura do IPCA-15 sugeria, então mostra uma piora grande na margem e ainda uma situação complicada do ponto de vista da inflação de serviços, o que mostra uma inércia muito maior do que seria saudável nesse momento.
Para que seja possível seguir reduzindo a taxa de inflação, o que não deve ser uma redução extraordinária, estamos falando de uma redução para 5,5% ou um pouco menos em 2023, vamos ter que passar por uma desaceleração considerável do nível de atividade econômica. O consenso é de que a gente fechou 2022 com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 3%.
A gente só vai saber o número propriamente dito em março. Mas vamos ter que trabalhar com um ritmo de crescimento muito mais lento ao longo deste ano para trazer a inflação para a meta. E isso nos traz um problema porque é muito claro que o novo governo não quer passar por um por uma desaceleração da economia. Não foi um crescimento ruim no ano passado, foi muito melhor, por exemplo, do que eu esperava, não é algo brilhante, mas para padrões de economia brasileira, está muito bom porque a gente não consegue crescer sustentadamente em um ritmo muito maior do que 1% a 1,5% ao ano. Então, me parece que há uma certa dissonância por vir.
Inv.com: O que o Banco Central deve apontar na sua carta aberta?
Schwartsman: Supostamente, a carta diz qual é a estratégia e explica os motivos pelos quais houve o desvio. Deve conter toda uma já tradicional decomposição da inflação, quais foram os fatores principais. Vai ter uma novidade, porque em vários anos a historinha contada falava a respeito dos preços administrados. A grande verdade é que os preços administrados registraram uma variação bem negativa em 2022 e contribuíram para trazer a inflação pra baixo.
Então o Banco Central vai ter que reconhecer que tem um elemento muito mais persistente na inflação e, no que diz respeito a sua estratégia, acredito que a autoridade monetária vai principalmente repetir o discurso que temos visto na comunicação recente do Banco Central, nas atas, no relatório de inflação, indicando que houve um aperto monetário considerável, saindo de uma Selic 2% para 13,75%. Se olhar do ponto de vista de taxa real de juros, a gente saiu de menos 2% para cerca de 6%.
E agora a gente espera que ocorra a convergência, mas não ao longo desse ano. O Banco Central já abriu mão da convergência em 2023, isso já está muito claro no próprio horizonte do Banco Central. A essa altura, contempla o terceiro trimestre de 2024. O BC deve dizer, basicamente, que fez o que tinha que fazer e a inflação vai cair. Não vai convergir exatamente para a meta em 2023, mas ao longo de 2024. Além disso, provavelmente o comunicado terá uma repetição do alerta no que diz respeito a política fiscal, que pode ainda descarrilar mais a inflação desse ano.
Inv.com: Além de uma possível reoneração dos combustíveis, quais os outros fatores que devem pressionar o indicador neste ano?
Schwartsman: A reoneração pode acontecer, pode não acontecer. Do ponto de vista de política monetária é irrelevante. Não totalmente irrelevante. Mas o Banco Central já deu toda a dica para o novo governo, que não está minimamente preocupado se vai acontecer a reoneração agora ou em algum momento desse ano por causa do foco do horizonte.
O que a gente tem que prestar atenção são as razões da persistência inflacionária, se ela é uma questão associada à inércia ou ao próprio hiato do produto, o fato de que a economia está operando muito próximo ou senão um pouco além dele. A minha visão - não é uma visão consensual, eu reconheço – é de que a economia já está além do seu potencial. O desemprego estaria abaixo do que seria a taxa natural de desemprego. Internacionalmente falando é um número alto, mas não é absolutamente impensável que esse número seja inferior à nossa taxa natural de desemprego. O Samuel Pessoa andou tratando a esse respeito numa das colunas recentes dele.
Se for relacionado ao hiato do produto, o problema da pressão inflacionária é mais complicado e se torna adicionalmente mais complexo quando há uma política fiscal nitidamente expansionista como a que deve ser adotada esse ano.
Estamos fazendo uma expansão fiscal praticamente sem precedentes, o único foi em 2021 e 2022, o que era absolutamente justificável, levando em consideração que a economia tinha sofrido um grande choque negativo de demanda devido à pandemia, era uma operação de guerra.
Se pensarmos no consenso, a economia está perto do pleno emprego. Se for na minha visão, está além do pleno emprego. Então vai ter um impacto inflacionário considerável. E tem também um impacto de política fiscal pelo canal de solvência. Os preços de ativos, notadamente taxa de juros e taxa de câmbio - vemos um dólar pressionado, curva de juros parada - refletem uma preocupação com a questão de solvência, a possibilidade de uma espiral de endividamento complicada e tem que ser devidamente endereçada. Isso não vai ocorrer criando uma nova regra fiscal.
Todo mundo sabe que ela vai ser descumprida de acordo com a conveniência do mandatário de plantão. Não existe nenhuma credibilidade associada à regra fiscal no Brasil. O fato é que a gente tem um conflito nítido entre política monetária de um lado, tentando baixar a inflação, e a política fiscal, que está atuando no sentido oposto, e isso vai ter impactos. Começamos a debater o risco de uma elevação adicional de taxa de juros. Avalio que ainda é remoto. O que parece mais provável é que haja uma manutenção dessa taxa de juros nos atuais patamares por mais tempo do que se imagina.