Investing.com - O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% pela 7ª reunião consecutiva nesta quarta-feira (3), após dois dias de reunião. A decisão do colegiado foi unânime e em linha com a expectativa do mercado.
Foi o primeiro encontro do Copom após a apresentação do arcabouço fiscal, no fim de março, pelo Ministério da Fazenda. Apesar de que ainda persista incerteza quanto ao desenho final da proposta fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional, os membros do colegiado avaliam que o anúncio, junto com a reoneração do preço dos combustíveis, reduziram parte da incerteza fiscal. No entanto, restam dúvidas, na avaliação do Copom, dos impactos das novas regras fiscais sobre as expectativas para as trajetórias da dívida pública e da inflação.
O comitê reafirmou a estratégia de manutenção da taxa Selic por um período prolongado para que consolide não somente o processo de desinflação, "como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas", diminuindo, mas não descartando, a possibilidade de retomada do ciclo de aperto monetário caso as expectativas continuem desancoradas e que a inflação não chegue às metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
"O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária"
Reação
Na avaliação do economista André Perfeito, o colegiado não deve cortar os juros na próxima reunião, que acontece em 21 de junho. "Copom sinaliza corte apenas no 2º semestre", diz Perfeito, que vê o comunicado com um tom contracionista devido à "insistência em falar algo que já foi dito: que irá atuar com juros no atual patamar até que haja queda da inflação corrente e da inflação futura (ancoragem das expectativas)". Com isso, na avaliação do economista, a tendência é que as ações, sob essa perspectiva contracionista na política monetária, siga "com uma bola de ferro no pé".
O economista-chefe da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti, tem opinião semelhante a de Perfeito, avaliando que o comunicado tem um tom menos contracionista, mas que o início de corte de juros inicie apenas no segundo semestre. “Ainda existem incertezas em relação ao arcabouço fiscal que, na nossa avaliação, é permissivo com o aumento de gastos, o que causa uma preocupação sobre a deterioração da trajetória da dívida pública”, disse Bertotti.
"Houve um aceno reconhecendo a medida [o arcabouço fiscal] como positiva, mas sem relação direta com a condução da política monetária", afirma Luiz Felipe Bazzo, CEO do transferbank, que aponta um tom menos contracionista também devido à estabilização das expectativas de inflação entre 2024 e 2026, eliminação do risco de trajetória explosiva da dívida pública e da melhora, embora lenta, dos indicadores recentes de inflação. O executivo do transferbank sugere a importância do acompanhamento da tramitação do projeto do arcabouço fiscal no Congresso, as medidas para a obtenção de um resultado primário equilibrado em 2024 e à definição das metas de inflação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para uma queda dos prêmios de risco e ao processo de aconragem das expectativas.
Bazzo projeta que o ciclo de afrouxamento monetário se inicia apenas em agosto, estimando uma taxa Selic a 11,50% no fim do ano e a 9,5% no encerramento do ciclo. Além disso, aponta há espaço para uma valorização do real, o que contribuiria para um processo de desinflação mais intenso.
Já Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset, concorda que o ciclo de corte da Selic se inicia no segundo semestre, mas apenas em setembro, após o Copom sinalizar o afrouxamento monetária na reunião de agosto. “A Daycoval Asset aposta na Selic em 12,50% a.a ao fim de 2023, com 9% a.a projetados para 2024. Isso leva em conta uma inflação mundial menor, com o mundo crescendo menos e a inflação de serviços desaquecendo no Brasil”, explica Cardoso.
O economista da Daycoval chama a atenção de que o Copom deve aguardar a definição das metas de inflação pelo governo, que deve acontecer em junho, para ter uma conjuntura mais clara para avaliar o futuro. "O arcabouço fiscal está mais resolvido, mas a questão não está fechada. A nota do Copom foi mais positiva ao sinalizar o avanço do arcabouço fiscal e a redução de um eventual cenário de cauda onde voltaria a subir a taxa de juros", completa Cardoso, enfatizando que as expectativas de inflação tampouco melhoraram.
Confira abaixo o comunicado na íntegra:
O ambiente externo se mantém adverso. Os episódios envolvendo bancos no exterior têm elevado a incerteza, mas com contágio limitado sobre as condições financeiras até o momento, requerendo contínuo monitoramento. Em paralelo, os bancos centrais das principais economias seguem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas, em um ambiente em que a inflação se mostra resiliente.
Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue corroborando o cenário de desaceleração esperado pelo Copom, ainda que exibindo maior resiliência no mercado de trabalho. A inflação ao consumidor, assim como suas diversas medidas de inflação subjacente, segue acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus elevaram-se marginalmente e encontram-se em torno de 6,1% e 4,2%, respectivamente.
As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 5,8% em 2023 e 3,6% em 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 10,8% em 2023 e 5,2% em 2024. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo de todo o horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 5,7% para 2023 e 2,9% para 2024.
O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a incerteza ainda presente sobre o desenho final do arcabouço fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional e, de forma mais relevante para a condução da política monetária, seus impactos sobre as expectativas para as trajetórias da dívida pública e da inflação, e sobre os ativos de risco; e (iii) uma desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação para prazos mais longos. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global; e (iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.
Por um lado, a reoneração dos combustíveis e, principalmente, a apresentação de uma proposta de arcabouço fiscal reduziram parte da incerteza advinda da política fiscal. Por outro lado, a conjuntura, caracterizada por um estágio em que o processo desinflacionário tende a ser mais lento em ambiente de expectativas de inflação desancoradas, demanda maior atenção na condução da política monetária. O Copom enfatiza que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, e avalia que a desancoragem das expectativas de longo prazo eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas.
Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
Considerando a incerteza ao redor de seus cenários, o Comitê segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária. O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes.
* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 5,05, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária "verde" em dezembro de 2023 e de 2024. O valor para o câmbio é obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.