Pelas regras atuais, o governo terá de gastar mais R$ 21,7 bilhões além do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em despesas discricionárias (não obrigatórias) com Educação para cumprir o piso em 2024. O valor crescerá para R$ 40,8 bilhões daqui a dois anos, aumentando o impacto no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e estrangulando ainda mais o espaço para investimentos em outras áreas.
Os recursos do Fundeb estão fora do limite de gastos imposto pelo arcabouço fiscal, mas impactam a meta de resultado primário e o desembolso efetivo de dinheiro do Tesouro Nacional - podendo aumentar o endividamento público se não for controlado.
Diante desse cenário, a ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre o tema. Em entrevista ao Estadão em setembro, ela apontou descompasso entre o aumento de recursos, o número de alunos e a qualidade do ensino.
"Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Este ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média, não teve avanço."
IDEB ESTAGNADO
O Ideb, principal indicador de qualidade da educação no Brasil, inclui notas das redes pública e particular. No índice de 2023, divulgado em agosto deste ano, houve aumento de apenas 0,1 ponto na nota em relação ao período pré-pandemia - o que pode ser considerado uma estagnação.
De acordo com o pesquisador do Ipea Camillo Bassi, aumentar de 30% para 50% a parcela do Fundeb que serve para cálculo do piso da Educação abriria espaço fiscal acumulado de R$ 33 bilhões para o governo até 2026 sem mexer no piso, sem cortar recursos do Fundeb e sem desvincular receitas - hoje, os pisos de Saúde e Educação são vinculados à arrecadação do governo.
O cálculo simula o efeito em três anos (2024, 2025 e 2026) se a mudança estivesse em vigor. Com a alteração, seriam necessários menos recursos que não fazem parte do Fundeb para cumprir o piso da Educação. Além disso, a mudança não depende de alteração na Constituição, mas apenas de um projeto de lei com aprovação da maioria simples dos parlamentares.
Para Camillo Bassi, a mudança daria mais "racionalidade" para a contabilidade dos gastos do governo. Além do espaço fiscal, a alteração também diminui o impacto do Fundeb no resultado primário da União. No cenário em que a fração aumenta de 30% para 50%, o peso do fundo no resultado cairia de R$ 123 bilhões para R$ 116 bilhões em 2024 e de R$ 166 bilhões para R$ 157 bilhões em 2026.
"É a única solução ou retoma o teto de gastos (que suspendeu o piso da Educação vinculado à arrecadação por um crescimento atrelado apenas à inflação)", diz Bassi. "Quando você aumenta a fração da complementação da União no Fundeb como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino (piso da Educação), o hiato se estreita e a contabilidade ganha racionalidade."
O Ministério do Planejamento avalia outras alternativas para o Fundeb. Segundo apurou a reportagem com interlocutores a par das conversas, há hoje quatro propostas em discussão, ainda em estado incipiente.
FALTA SINAL VERDE
A mudança no Fundeb - vista com resistência no Ministério da Educação, segundo apurou a reportagem - ainda terá de passar pelo crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tebet conversou sobre o assunto com Lula, que deu autorização para a ministra falar sobre o tema e pautar a discussão, após ele ter descartado mudanças nos pisos da Saúde e da Educação. O presidente, porém, ainda não deu sinal verde para uma mudança efetiva no fundo.
A equipe deseja apresentar uma proposta ainda no primeiro semestre de 2025. A leitura é de que a janela para aprovar alguma mudança neste mandato se limita ao próximo ano, uma vez que 2026 é ano eleitoral.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.