SANTIAGO (Reuters) - A economia da Argentina muito provavelmente encolherá neste ano pela primeira vez em mais de uma década, pressionada por um consumo menor, inflação elevada e os efeitos do fracasso das negociações entre o governo e seus credores sobre a dívida, disse nesta segunda-feira a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena.
A chefe da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), organismo dependente da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou à Reuters que a Argentina tomou medidas, como elevar as taxas de juros e conter o agregado monetário, para desligar os "motores do consumo".
Além disso, também há o menor dinamismo da sua indústria afetada pela queda da demanda do Brasil, um dos seus principais consumidores.
A última vez que o Produto Interno Bruto (PIB) argentino caiu foi em 2002, quando recuou 10,9 por cento, em meio a uma forte crise que levou a um calote bilionário. Analistas consultados pela Reuters esperam que o PIB recue 1 por cento neste ano.
A Cepal já reduziu a sua estimativa de crescimento do PIB da Argentina para 0,2 por cento em 2014, ante estimativa inicial de alta de 1 por cento, mas "nossa projeção não é adequada. Nós a fizemos em julho. Realmente a situação hoje em dia é completamente diferente", disse Bárcena.
"Nos acreditamos que o mais provável é que a Argentina tenha crescimento negativo em 2014", acrescentou. A Cepal projeta crescimento da América Latina no ano de 2,2 por cento.
DEFAULT OU LITÍGIO
Agências de classificação de risco disseram que a Argentina entrou em default seletivo na quarta-feira passada, quando venceu o período de graça para o pagamento de um bônus, o que contribui para que a terceira economia da América Latina fique fora dos mercados internacionais de dívida.
Mas a chefe do organismo multilateral disse que a Argentina não está em default, mas enfrenta um "litígio" porque a nação "de alguma forma depositou o pagamento. O pagamento está lá, retido por um juiz. Foi o juiz que não permitiu que o pagamento fosse feito. Por isso é uma situação inédita".
"A Argentina negociou com 92 por cento. A Argentina os pagou e o que a minoria de 8 por cento está impondo são regras do jogo para todos e isso é grave do ponto de vista da arquitetura financeira internacional. Tu acreditas que vai haver apetite para renegociar dívidas soberanas depois disso? Difícil", previu Bárcena.
A Argentina depositou no fim de junho 539 milhões de dólares nas contas, em Buenos Aires, do seu agente de pagamentos, o Bank of New York Mellon (BONY), para honrar os juros de sua dívida renegociada.
Mas o montante não chegou às mãos dos credores porque o processo de transferência foi bloqueado por um juiz de Nova York até que o país pague 1,33 bilhão de dólares aos hedge funds que pleiteiam o pagamento integral da dívida em default de 2002.
"(Isso) estabelece um mau precedente. Tem um impacto muito forte na arquitetura financeira internacional", disse Bárcena em entrevista à Reuters.
Esses fundos, conhecidos como "holdouts", são liderados pelos fundos NML e Aurelius e se negaram a participar das reestruturações de dívida da Argentina, por isso a sua vitória judicial poderia ameaçar outros esforços semelhantes desenvolvidos por nações com problemas financeiros.
A contração da economia argentina, aprofundada pelo fracasso das negociações da dívida, poderá ter um impacto comercial nos países vizinhos.
Contudo, Bárcena comentou que a América Latina não deverá "ter problemas de acesso a financiamentos porque os níveis de risco da região são relativamente baixos", além de reservas internacionais importantes.