Arena do Pavini - Na semana passada, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação para 2022: 3,5% ao ano. Um número surpreendente para um país que já chegou a ter uma inflação de 80% ao mês no fim dos anos 1980. Um acontecimento impossível de se imaginar há 25 anos, quando o Plano Real foi lançado e iniciou o processo que pôs fim à hiperinflação no Brasil.
Se comparada com aquela época, a inflação que o CMN projeta para um ano corresponde aproximadamente à variação de preços de um dia dos tempos de hiperinflação. Sem falar que, na época, seria impossível planejar o orçamento do mês seguinte, quanto mais a inflação para daqui a três anos.
O mesmo vale para a taxa de juros, que poucas vezes na história do país ficou abaixo dos 10% ao ano, e que este ano pode acabar abaixo de 6%.
O controle da inflação significou não apenas o fim da desvalorização da moeda e das perdas para grande parte da população mais pobre. Ele deu condições para a economia brasileira retomar o caminho da normalidade, com a possibilidade de contratos de prazo mais longo e a retomada do crédito e dos investimentos. A inflação alta parou de mascarar as contas públicas e as distorções usadas pelos governos para cobrir seus déficits.
Foram várias tentativas de controlar a hiperinflação durante décadas, principalmente nos anos 1980 e 1990, até o Plano Real, que completa 25 anos amanhã (1º).
Segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil, no entanto, o legado do plano não se estendeu ao crescimento sustentável. Desde a entrada em vigor das medidas, em 1994, o país alterna momentos de expansão com recessões profundas.
Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e presidente da Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), Roberto Meurer indica que a implementação do Plano Real e o fim da hiperinflação mudaram a pesquisa acadêmica e os interesses das dissertações de mestrados e teses de doutorados.
“Com a queda da inflação, houve uma natural mudança da pesquisa em macroeconomia, já que inflação e o combate a ela deixaram de ser o tema mais premente da discussão em economia. O que se viu foi, em termos amplos, uma gradual migração de parcela relevante da pesquisa da área de macroeconomia aplicada [como relação entre grandes variáveis da economia] para a microeconomia aplicada [que estuda o comportamento dos agentes econômicos]”, verifica Meurer.
“Os temas foram acompanhando a própria evolução da economia. Isto pode ser ilustrado com as discussões sobre regimes cambiais e eficiência da política monetária com o regime de câmbio semifixo e posterior adoção do câmbio flutuante e das metas de inflação. Outro tema, que está na origem do próprio Plano Real, é a relação entre política fiscal e política monetária, que também atraiu e continua sendo tema de muitas pesquisas”, enumera o acadêmico.
Segundo o presidente da Anpec, áreas como economia da saúde, economia do trabalho e economia da educação passaram a ter maior peso na pesquisa. “Isso pode ser ilustrado pelo fato de a área de Economia Social e Demografia ser a que atrai maior número de trabalhos [anualmente] no Encontro Nacional de Economia”, diz.
Crescimento frustrado
Alexandre de Freitas Barbosa, professor do Instituto de Estudos Brasileiros (USP) fez sua tese de livre docência sobre o período de economia desenvolvimentista no Brasil. Ele, que estudou uma das épocas de maior crescimento econômico da história nacional (1946–1964), é bastante crítico quanto aos resultados do Plano Real além da estabilização monetária. “Até hoje estamos procurando uma estratégia de desenvolvimento”, afirma.
Para o economista, “o Plano Real carrega uma frustração. O governo FHC e, também os governos posteriores, não conseguiram trazer uma estratégia que pudesse ser sustentável”. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ano de maior crescimento do Produto Interno Bruto entre 1996 e 2016 foi em 2010 (taxa de 7,5%). Cinco anos depois, a economia do país entrou em recessão, com queda de 3,5% do PIB.
Segundo Barbosa, “o momento de maior crescimento é voltado para o mercado interno e com ativação de políticas de Estado, bancos públicos, atuação de empresas estatais, políticas sociais redistributivas”. O especialista lembra que essas medidas são diferentes do que se anunciava ao implementar o real.
“Se dizia que estavam inaugurando um novo modelo para o crescimento econômico. Que havia esgotado o modelo desenvolvimentista, com atuação discricionária do Estado, que é inflacionária”, recorda.
Para o Barbosa, o Plano Real “acabou” no início do segundo mandato de FHC (1999), quando o governo abandonou a âncora cambial e passou a adotar o “tripé macroeconômico” – metas de inflação, metas fiscais para controle das contas públicas e câmbio flutuante – para manter a estabilidade da moeda.
O economista José Ronaldo Souza Júnior, do Ipea, discorda. Para ele, “a introdução do tripé foi determinante para a longevidade do Plano Real”.
Autor do livro O Pior Emprego do Mundo, que narra a trajetória de 14 ministros da Fazenda desde 1967, o jornalista Thomas Traumann avalia que “o tripé foi uma forma de recuperar credibilidade. Mas o país não estava mais sob a lógica inicial do Plano Real”. Em sua avaliação, o maior legado do plano “é que a inflação tornou-se inaceitável”.
O real é a segunda moeda mais duradoura desde o tempo da colonização do Brasil e a que mais tempo se manteve em circulação desde a década de 1940, quando se adotou o extinto cruzeiro. Nos quinze anos que antecederam ao plano, a taxa de inflação acumulada soma de mais de 20 trilhões percentuais (20.759.903.275.651%).
Segundo o Banco Central, em 1994 a inflação foi de 916%. Em 1995, ano da implementação do real, a taxa atingiu 22%. Em junho de 1994, antes da moeda, o percentual mensal foi de 46,58%. Em julho seguinte, já com o real em circulação, a inflação foi apenas 6,08%.
Com informações da Agência Brasil.
Por Arena do Pavini