Por Laís Martins
SÃO PAULO (Reuters) - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu nesta sexta-feira a revisão dos critérios de contratação de entidades a serem beneficiadas pelo Fundo Amazônia, citando irregularidades no uso e na liberação dos recursos, executados pelo BNDES, principalmente para ONGs.
Enquanto isso, ele sugeriu, ao apresentar análise dos contratos do fundo, que novos acordos para repasses sejam suspensos temporariamente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O Fundo Amazônia, que gere 1,3 bilhão de reais, reúne doações de empresas e países --entre os quais Noruega e Alemanha, principalmente.
Os recursos são repassados a entidades, tanto organizações não-governamentais (ONGs) quanto governamentais, pelo BNDES, para uso em ações de combate do desmatamento na região amazônica.
Salles afirmou que 82% dos contratos analisados foram feitos sem processo licitatório, os chamados “contratos de balcão”. O levantamento levou em consideração alguns contratos desde 2013.
"Verificamos também muitas operações de crédito, ou seja, liberação de parcelas do Fundo Amazônia sem a respectiva prestação de contas, quer seja da parcela recém-liberada ou de parcelas anteriores", disse Salles a jornalistas em São Paulo, citando obrigações dos contratos que não foram cumpridas.
A análise realizada pelo ministério ocorre em meio a críticas de organismos e governos estrangeiros sobre a política ambiental do governo Jair Bolsonaro, que defende flexibilização na liberação de licenças ambientais e outros temas que geram desconforto junto a ambientalistas.[nL2N22Q1U6]
O ministro deixou claro que a gestão, execução e liberação de recursos do Fundo Amazônia é responsabilidade do BNDES, acrescentando que o ministério participa apenas da definição das diretrizes e critérios usados para conceder os contratos.
Dessa forma, ele disse que o ministério recomenda que não sejam feitos novos acordos para destinação de recursos, por ora, paralisando as operações do fundo.
Segundo Salles, o trabalho identificou a "necessidade de alterar e melhorar a governança pela qual são realizadas as contratações e escolhas dos projetos do Fundo Amazônia", afirmando que isso foi tratado em reunião com a presidência do BNDES na quinta-feira.
"Entendemos que há destinações importantes a serem dadas aos recursos do Fundo Amazônia, mas que há uma desconexão, uma falta de estratégia na escolha desses diferentes projetos", completou.
Entre outros aspectos identificados como irregularidades pela pasta, Salles citou alta destinação dos recursos para remuneração de profissionais, num volume médio de 40% e 60%, e ausência de relatórios de acompanhamento.
Ele foi categórico em afirmar que, de todos os contratos com ONGs analisados pelo ministério, 100% apresentaram problemas.
Salles disse também ter conversado com algumas entidades e chegado ao entendimento de que é possível fazer mais com menos recursos, sugerindo que poderá haver cortes nos repasses.
O ministério recebeu os contratos do BNDES por intermédio da Controladoria-Geral da União, que fez o requerimento.
Salles deixou claro, no entanto, que o procedimento do ministério não se trata de uma auditoria.
Em nota, o Observatório do Clima condenou as declarações do ministro, acrescentando que ele já foi desmentido pela Controladoria-Geral da União e que outras auditorias mostraram que não há irregularidades no fundo.
"As regras rígidas do Fundo Amazônia foram criadas pelo BNDES para dar segurança aos doadores de que não haveria ingerência política no fundo, que é justamente o que o ministro planeja fazer ao propor mudar suas regras para controlá-lo e abrir os projetos à iniciativa privada", afirmou a organização.
"O conjunto de ilações feitas por Salles e seu ataque a mais uma instituição ambiental alimenta a desconfiança nos doadores e o resultado pode ser o fim dos repasses ao Brasil."
A embaixada da Noruega no Brasil declarou em nota que não recebeu proposta das autoridades brasileiras para mudanças de governança ou financiamento ao Fundo, ressaltando que o país nórdico, um dos principais financiadores do programa, está satisfeito com os resultados obtidos.
"A Noruega está satisfeita com a robusta estrutura de governança do Fundo Amazônia e os significativos resultados que as entidades apoiadas pelo Fundo alcançaram nos últimos 10 anos", disse a embaixada. "Não recebemos nenhuma proposta das autoridades brasileiras para alterar a estrutura de governança ou os critérios de alocação de recursos do Fundo."
DESMATAMENTO
Questionado sobre dados que apontam que o Fundo Amazônia, ativo desde 2008, teria contribuído para reduzir o desmatamento na região, Salles disse inicialmente que é “mera interpretação” e que faltam dados e indicadores para mensurar o impacto das atividades do fundo, mas depois admitiu que os recursos ajudaram em “certo ponto”.
O financiamento anual está atrelado ao sucesso de o Brasil em reduzir o desmatamento da Amazônia no ano anterior.
Em dezembro de 2018, quando o fundo completou dez anos, a Noruega pagou ao Brasil 70 milhões de dólares por ter reduzido o desmatamento em 2017.
Os próximos passos, segundo Salles, incluem o encaminhamento do relatório produzido pelo MMA à CGU e ao TCU e também a proposição de medidas de alteração da governança e forma de funcionamento do Fundo, para que as “desfuncionalidades na maneira de operar o Fundo não se repitam”.
Procurado, o BNDES não comentou o assunto imediatamente.