Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O desmatamento ilegal na Amazônia é uma operação criminal em larga escala, liderada por grandes grupos que têm capacidade para extrair, processar e vender a madeira no Brasil e no exterior, e não fruto do trabalho de pessoas que tentam apenas sobreviver, e já levou à morte de mais de 300 pessoas na última década, segundo relatório da Human Rights Watch.
O relatório "Máfias do Ipê: Como a Violência e a Impunidade Agravam o Desmatamento na Amazônia Brasileira", divulgado nesta terça-feira, aponta que o desmatamento da Amazônia segue uma lógica criminosa que envolve milícias, assassinatos, ameaças e corrupção.
"O desmatamento ilegal na Amazônia brasileira é tocado basicamente por redes criminosas que têm a capacidade logística para coordenar extração, processamento e venda de madeira em larga escala, ao mesmo tempo que usam homens armados para proteger seus interesses", diz o documento.
O nome "máfias do Ipê" é dado por policiais, fiscais e promotores que tentam controlar o desmatamento na região. O Ipê, com suas flores roxas, rosas, amarelas e brancas, se destaca no meio da floresta e é o principal alvo dos desmatadores. Apenas um tronco da sua madeira resistente, segundo o relatório, pode chegar a 6 mil reais.
Para chegar à madeira nobre da região, desmatadores invadem assentamentos e terras indígenas, expulsam pequenos produtores, ameaçam e matam, de acordo com a HRW. O relatório aponta mais de 300 mortes ligadas à indústria do desmatamento e invasões de terra na Amazônia na última década, em dados compilados pela Comissão Pastoral da Terra -- única organização no Brasil que levanta esses números, usados até mesmo pelo Ministério Público Federal.
O relatório detalha 28 assassinatos, 4 tentativas de assassinato e mais de 40 ameaças sobre as quais seus próprios pesquisadores conseguiram levantar evidências. Os casos envolvem lideranças indígenas, líderes de assentados, pequenos agricultores, policiais e outros agentes públicos. Pouquíssimos casos sequer chegaram aos tribunais.
O levantamento da HRW mostra que, de 230 ataques que resultaram em mais de 300 vítimas fatais, menos de 4% --apenas nove-- chegaram aos tribunais. Normalmente, caso de repercussão nacional em que o envolvimento da Polícia Federal e de promotores federais levou o caso adiante.
"A principal razão para que esses criminosos não sejam levados à Justiça, de acordo com autoridades federais e estaduais que conversaram com a HRW, é que a polícia não conduz investigações adequadas", diz o relatório.
Um promotor federal ouvido pela ONG, Paulo Oliveira, afirma que o aparato investigativo das polícias "não funciona" para esse tipo de crime. Já um policial federal da região afirmou, sob a condição de se manter no anonimato, que a impunidade acontece pelas polícias locais fazerem muito pouco e não usarem nem mesmo métodos básicos de investigação, segundo a HRW.
Na maior parte dos casos, não são feitas autópsias ou preservação do local do crime ou mesmo testemunhas são ouvidas corretamente. Ameaças anteriores aos crimes não são investigadas e, em alguns casos, a polícia até mesmo se recusa a registrar o crime. Várias ameaças se concretizaram depois em assassinatos.
"A impunidade em torno dessas ameaças e ataques também mina a luta contra a exploração ilegal de madeira. Ibama, ICMBio e policiais federais ressaltam a importância de dicas de indígenas e da população local para lutar contra o desmatamento, mas as ameaças os deixa com medo de falar com as autoridades", diz o relatório.
"As pessoas estão com medo. Cada um que foi ameaçado pelos madeireiros foi embora. Nós ficamos porque acreditamos na Justiça, mas temos certeza que eles vão nos matar", disse aos pesquisadores da HRW Daniel Alves Pereira, um pequeno produtora no assentamento de Areia (PA).
Entre as recomendações apontadas no relatório para lidar com a impunidade na região, a HRW recomenda que Executivo, Judiciário e Legislativo tornem a questão dos crimes na região uma prioridade, com a formação de uma Força-Tarefa do Ministério Público Federal para investigar os casos sem apuração, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para examinar as redes criminosas na Amazônia e um plano de ação preparado pelo Ministério da Justiça e os Estados para desmantelar as redes criminosas e tratar da investigação das mortes e ameaças na região.
O relatório do HRW foi preparado entre o final de 2017 e o primeiro semestre de 2019, com mais de 170 pessoas entrevistas, entre agentes públicos, policiais, membros de comunidades locais e comunidades indígenas, pesquisadores e ONGs que atuam na região, além de analisar estudos, documentos e processos relacionados com os casos citados no relatório.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse em mensagem enviada à Reuters que o governo tem combatido a criminalidade, inclusive na questão ambiental, e citou decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado por Bolsonaro determinando o envio de tropas à Amazônia para combater crimes ambientais após o registro do aumento de queimadas.
“Somos o governo da tolerância zero contra a criminalidade, inclusive no meio ambiente. Estamos em plena operação de garantia da lei e da ordem ambiental e com ela estamos combatendo todas as ilegalidades”, afirmou.
Procurado pela Reuters, o Palácio do Planalto não respondeu de imediato a um pedido de comentário.