Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central subiu a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual pela terceira vez consecutiva, a 10,75% ao ano, em continuidade ao agressivo ciclo de aperto monetário implementado para conter a inflação, e surpreendeu parte do mercado ao indicar uma redução no ritmo de ajuste na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em março.
Em comunicado nesta quarta-feira, a autarquia revisou significativamente para cima sua projeção de inflação para este ano e passou a afirmar que o horizonte relevante para a política monetária é, "em maior grau", o ano de 2023.
O BC manteve, no entanto, o posicionamento de que, diante do aumento de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista.
"Em relação aos seus próximos passos, o Comitê antevê como mais adequada, neste momento, a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros. Essa sinalização reflete o estágio do ciclo de aperto, cujos efeitos cumulativos se manifestarão ao longo do horizonte relevante", disse.
A intensidade da elevação veio em linha com a expectativa do mercado, de acordo com mediana da pesquisa Reuters. Dos 29 economistas consultados, 27 previram alta de 1,5 ponto, um apostou em 1,25 ponto, e outro estimou 1,00 ponto de elevação.
Com a decisão, o BC abre 2022 com o patamar da Selic 8,75 pontos percentuais acima da mínima histórica de 2% ao ano, nível atingido em meio à pandemia e que vigorou até março de 2021, numa tentativa de recolocar a inflação nos trilhos em meio à forte aceleração de preços na economia. É a primeira vez em quase quatro anos em meio que a taxa básica de juros fica em dois dígitos.
O BC afirmou que os indicadores de atividade econômica relativos ao quarto trimestre de 2021 vieram ligeiramente melhores do que o esperado, em particular o mercado de trabalho, mas ponderou que a inflação ao consumidor seguiu surpreendendo negativamente.
"As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação", disse, em referência aos núcleos de inflação, que desconsideram os preços mais voláteis.
A autoridade monetária piorou suas projeções para o IPCA nesta quarta-feira, enxergando alta de 5,4% em 2022, acima do percentual de 4,7% calculado no último Copom e também acima do teto da meta de 3,50%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Para 2023, a projeção está em 3,2%, mesmo patamar projetado no Copom de dezembro, abaixo da meta central de 3,25%.
Com a alteração, os cálculos da autoridade monetária ficaram mais alinhados aos traçados pelos agentes econômicos no boletim Focus mais recente: IPCA estourando o teto da meta em 2022 (+5,38%) e ficando acima do alvo central em 2023 (+3,50%).
"O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário de referência e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas ao longo do horizonte relevante, que inclui o anos-calendário de 2022 e, em grau maior, o de 2023", informou.
Nesse cenário de referência, o BC supõe trajetória de juros que se eleva para 12% no primeiro semestre deste ano, termina 2022 em 11,75% e reduz-se para 8,00% ao ano em 2023.
SURPRESA
O Bacen já havia dado fortes indicações de que faria o ajuste de 1,5 ponto na reunião. No entanto, além da incerteza sobre o tom do comunicado, não havia clareza sobre qual seria a sinalização do BC para a próxima reunião do Copom.
“Foi uma surpresa a indicação de redução do ‘pace’. Não esperávamos. A gente acreditava que o BC resguardaria a flexibilidade, deixaria em aberto para março", disse o economista-chefe da Asa Investments, Gustavo Ribeiro.
Na avaliação do analista, porém, a projeção mais alta para a inflação do ano aumenta a probabilidade de extensão do ciclo para além de março. Para ele, o BC está fazendo uma aposta de que haverá uma reversão da trajetória das expectativas e "tomou uma decisão de maior risco".
O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, também demonstrou surpresa e disse que esperava um comunicado "mais altista nos juros".
"Ele começou a colocar mais peso nas expectativas de inflação para 2023, então parece que o Bacen já não está mais tão disposto a subir as taxas de juros, ele antecipou a sinalização de redução do ritmo no ciclo. É um BC que olha para frente e parece menos preocupado em ficar com a inflação acima da meta", afirmou.
RISCO FISCAL
Depois de afirmar em outubro que ainda trabalhava para atingir o centro da meta em 2022, o BC passou a dizer, em dezembro, que passaria a atuar para ancorar as expectativas de inflação em torno da meta, não mais no alvo central.
Desde então, as expectativas do mercado para o comportamento dos preços na economia indicaram distanciamento da meta deste ano. Nesse período, ganharam força no radar dos analistas de mercado dois fatores associados ao risco fiscal durante o ano de eleições presidenciais.
No primeiro deles, o governo passou a discutir proposta que autoriza corte de tributos sem a adoção de medidas compensatórias, o que pode ampliar o rombo fiscal previsto para 2022. Após avaliar redução tributária sobre combustíveis, entrou em negociação um possível corte de alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) --a medida final ainda não foi formalmente apresentada pelo Executivo.
O outro elemento é a movimentação de carreiras do funcionalismo em busca de reajustes, com ameaça de greve a partir de março caso o governo não libere os benefícios. Os atos colocam pressão sobre o governo para ampliar despesas em um momento em que o Orçamento já está comprometido.
Além disso, está em vigor a emenda constitucional que flexibilizou a regra do teto de gastos, ampliando o limite de despesas neste ano em aproximadamente 60 bilhões de reais.
No comunicado, o BC reafirmou que apesar do desempenho melhor nas contas públicas, a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação.
Em relação ao cenário externo, a nota afirma que o ambiente segue menos favorável, ressaltando que a maior persistência inflacionária aumenta o risco de um aperto monetário mais célere nos EUA, o que torna as condições financeiras mais desafiadoras para economias emergentes.
"Além disso, a nova onda da Covid-19 adiciona incerteza quanto ao ritmo da atividade, ao mesmo tempo que pode postergar a normalização das cadeias globais de produção", disse.
(Reportagem adicional de José de Castro)