O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, associou a mudança da meta de zerar o deficit primário ao abandono do marco fiscal, sancionado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo ele, o custo de mudar o objetivo para as contas públicas será maior para a sociedade.
Ele participou nesta 6ª feira (17.nov.2023) do evento “E agora, Brasil?”, realizado pelos jornais O Globo e Valor Econômico. Eis a íntegra da apresentação (PDF – 4 MB).
Campos Neto disse que o governo é responsável pela realização da política fiscal, mas que o Banco Central acompanha as expectativas futuras do mercado –como juros e inflação– para a política monetária.
Segundo ele, não há uma “relação mecânica” entre a meta de zerar o deficit nas contas em 2024 e a redução da taxa básica, a Selic. Mas Campos Neto afirmou que poderá haver uma desancoragem das expectativas futuras no mercado financeiro.
“Se os agentes econômicos começarem a entender que o fiscal tem uma trajetória de piora bem maior, pode ser que isso, em algum momento, impacte as expectativas de inflação, de câmbio e juros futuros. E aí, sim, vai impactar a nossa função reação”, disse o presidente do BC.
Campos Neto declarou que é importante cuidar da área fiscal para dar mais credibilidade no longo prazo. Disse que a manutenção da meta também não tem impacto mecânico para a redução dos juros.
O presidente do BC listou 2 contextos para os agentes econômicos demonstrarem desconfiança:
- Governo gastou um “tempo enorme” desenhando o marco fiscal, sancionado em agosto;
- O marco fiscal já tem previsões de pena e bloqueios a serem realizados ao longo do do exercício financeiro quando não há expectativa do governo em cumprir as metas.
“Se fez o arcabouço [fiscal], lutou por ele [marco fiscal], teve um trabalho de convencimento no Legislativo e comunicação com a sociedade e no 1º sinal de desafio o abandona, haverá uma dificuldade das pessoas em estimar quais são os números futuros”, declarou.
Ou seja, os agentes econômicos ficam céticos quanto ao cumprimento das metas nos anos posteriores. “Se em 2024 teve um aperto e foi mudado, qual vai ser minha estimativa de 2025 e 2026? Provavelmente, vai estimar pior. O problema que essas coisas de forma cumulativa acabam tendo efeito na expectativa macroeconômica para frente”, disse.
A meta fiscal é de zerar o deficit. A lei permite que haja um saldo negativo de até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto). Segundo Campos Neto, esse deficit seria de “20 e poucos bilhões de reais”. “Talvez o custo de perda de credibilidade que gera essa mudança seja muito maior do que esse valor inicial”, defendeu. “A gente entende que é um jogo de credibilidade. A nossa opinião é que seja importante insistir na meta”, completou.
Reprodução/Banco Central Agentes econômicos estimam que o deficit primário será pior que as metas fiscais (em vermelho) de 2024, 2025 de 2026
JUROS DO ROTATIVO
Campos Neto disse que há discordâncias no setor privado para estabelecer novas regras para os juros do rotativo do cartão de crédito. O governo quer limitar taxas. O presidente do BC afirmou que o tema é o “mais complexo” que enfrentou na autoridade monetária.
Segundo ele, é preciso achar uma solução que não resulte na ruptura do consumo e prejuízo para os lojistas com as maquininhas.
“A gente tem um sistema que tem anomalias. A gente tentou colocar todo mundo numa mesa e achar um acordo. O BC não propôs nada. Escutou as propostas para achar um campo comum”, disse.
Os bancos não concordam em fazer mudanças sem limites nas parcelas do cartão. Outro grupo avalia que não haverá entendimento com os limites. O presidente do BC disse que ainda trabalha para obter um acordo.