Em um primeiro passo rumo ao desfecho de um impasse bilionário entre União e empresas, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para que a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins seja aplicada sobre cobranças feitas após o julgamento original, em 15 de março de 2017. Antes disso, apenas quem já havia ingressado com ações judiciais ou procedimentos administrativos questionando o recolhimento a mais do tributo poderá pedir devolução dos valores.
O voto de Cármen Lúcia, que é a relatora do caso, está sendo visto por tributaristas como um "meio-termo", pois limitou o alcance de qualquer efeito retroativo da decisão do STF. A votação deve continuar nesta quinta-feira (13), quando os demais ministros se posicionarão sobre a questão.
A Corte já decidiu em 2017 que a cobrança de PIS/Cofins incluindo o ICMS na base de cálculo é inconstitucional, mas o alto impacto nas contas levou o governo a pedir a "modulação" dos efeitos apenas para o futuro. As empresas, por sua vez, querem a devolução do que foi recolhido indevidamente no passado. É essa modulação que é alvo agora de deliberação pelo plenário.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estima que uma decisão favorável às empresas tenha impacto potencial de R$ 258,3 bilhões, um passivo capaz de agravar ainda mais a situação das contas brasileiras. As empresas, por sua vez, questionam o cálculo e também argumentam que ignorar o passivo pode prejudicar os balanços da companhias.
A questão é tão sensível para a equipe econômica que, no fim do mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu com o presidente do STF, ministro Luiz Fux, para tentar apresentar os argumentos da União em defesa do recurso federal. Ele esteve acompanhado do procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano.
Algumas empresas, por sua vez, se anteciparam à decisão final do STF e passaram a descontar, via créditos tributários, valores pagos a mais no passado com a cobrança de PIS/Cofins sobre o ICMS, ou ainda passaram a incluir esses créditos como ativo em seus balanços.
Em seu voto, Cármen Lúcia afastou qualquer ocorrência de "omissão, contradição ou obscuridade" na decisão do STF em 2017, como alegado pelo União, que disse não ter sido observada jurisprudência da própria corte ao analisar a questão sobre o ICMS na base de cálculo de contribuições sociais. A ministra informou que os casos levantados pelo governo não se aplicavam ao julgamento atual e sugeriu que a alegação foi feita apenas por discordância.
"Não há omissão a se colmatar, pela singela circunstância de que a ausência de acatamento quanto à alegada similitude deveu-se a convencimento, não a omissão. O julgador não é obrigado a acatar o raciocínio posto na causa ou no recurso pela parte", disse.
Em relação à modulação dos efeitos, a ministra ressaltou que se mostrou recomendado preservar a segurança jurídica dos órgãos fazendários, isto é, responsáveis pela arrecadação do governo, admitindo efeitos retroativos apenas para aqueles que já haviam questionado a cobrança.
Antecipação
Nos últimos meses, a Receita Federal já tem observado um crescimento expressivo nas chamadas compensações tributárias, quando empresas declaram ter créditos a receber e usam isso para pagar menos imposto. Em outubro do ano passado, o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, Claudemir Malaquias, reconheceu que esse aumento era fruto da decisão do STF.
Na prática, as empresas começaram a se antecipar à decisão do STF e passaram a cobrar os créditos. Só no ano passado, as compensações somaram R$ 167,7 bilhões, um aumento de quase 60% em relação ao observado em 2019, quando o valor ficou em R$ 105,5 bilhões. A tendência permanece para este ano. No primeiro trimestre de 2021, as compensações somaram R$ 48,4 bilhões, contra R$ 34,5 bilhões em igual período de 2020. Os números já estão corrigidos pela inflação.
Caso as empresas tenham uma derrota no STF, elas poderão ter que restituir à Receita esses valores descontados indevidamente. Um integrante da equipe econômica explicou ao Broadcast que, independentemente da origem da compensação, ela precisa ser homologada pela Receita em até cinco anos. Nesse período, ela pode ser validada ou alterada se estiver em desacordo com a legislação. "Se a decisão for distinta da que motivou a compensação, necessariamente haverá revisão", explicou a fonte.
Após o julgamento de 2017, diversas companhias, inclusive aquelas listadas na Bolsa de Valores, começaram a incluir os créditos a que julgam ter direito em seus balanços como ativo. O risco, caso o STF decida favorável à União, é essas empresas precisarem reconhecer as perdas, o que teria impacto sobre o mercado de capitais brasileiro, argumentaram empresas, investidores institucionais e companhias abertas em carta aberta divulgada também na véspera da decisão.
A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) afirma que haverá prejuízos e perda de valor de mercado das ações. Há preocupação também em relação à percepção de insegurança jurídica que será passada aos investidores internacionais e agentes econômicos no caso de reversão de uma decisão tomada em plenário e com repercussão geral conhecida.
Para o tributarista Luiz Bichara, sócio do Bichara Advogados, a decisão de Cármen Lúcia "estanca" o impacto para a União até 2017, ao mesmo tempo em que limita efeitos retroativos somente para quem já tinha ação judicial antes disso. "Foi um meio-termo", disse. O advogado, porém, afirmou que ainda é preciso aguardar os demais votos para ter um cenário claro de qual será o desfecho.