Por Scott Kanowsky
Investing.com – Os investidores dos mercados de títulos globais no mundo desenvolvido ficaram, ao que tudo indica, tensos nos últimos dias.
Os rendimentos de dívidas soberanas atingiram seus níveis mais altos em anos, devido à ação de diversos bancos centrais ao redor do mundo, determinados a seguir apertando suas políticas monetárias para debelar a inflação, ainda que isso acabe prejudicando o crescimento econômico.
O título de dez anos do Tesouro dos EUA, principal referência do mercado, viu seus rendimentos superarem 4%, após iniciarem o ano em torno de 1,5%. Ao mesmo tempo, a taxa da nota de dois anos dos EUA disparou, o que historicamente sugere a iminência de uma recessão na maior economia do mundo. Os preços geralmente caem com o aumento das taxas.
Pesquisadores do Instituto de Investimento BlackRock (NYSE:BLK) estão claramente roendo as unhas: um estudo na semana passada revelou que os títulos governamentais, normalmente considerados “portos seguros”, podem não oferecer tanta proteção assim, caso os bancos centrais continuem elevando os custos do crédito para arrefecer a inflação.
Ao mesmo tempo, de Wall Street a Washington D.C., as preocupações com a liquidez estão aumentando ainda mais o estresse sobre as treasuries, uma engrenagem crucial do motor da economia global.
Um indicador de liquidez de mercado fornecido pelo JPMorgan (NYSE:JPM) recentemente atingiu seu patamar mais baixo desde os primeiros dias da pandemia em março de 2020. Um índice da Bloomberg mostra que os investidores estão achando que agora está difícil encontrar bons negócios no mercado de treasuries do que nos últimos dois anos e meio.
Quem está acirrando esse nervosismo é o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), que já definiu planos para reduzir seu enorme balanço de US$ 9 trilhões. O Fed espera reduzir as compras de títulos, revertendo em grande parte o programa montado para ajudar a respaldar os bancos durante a crise econômica inicial provocada pela Covid-19, o que pode reduzir ainda mais o avanço dos preços.
Mas as consequências dessa decisão ainda estão longe de ser esclarecidas.
Em setembro, um estrategista do Bank of America (NYSE:BAC) alertou que o Fed estava rapidamente retirando liquidez das treasuries, o que era “uma das maiores ameaças à estabilidade financeira global atualmente, talvez pior do que a bolha imobiliária de 2004 - 2007.”
Até mesmo a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, afirmou que estava “preocupada” em preservar uma liquidez adequada nos mercados de títulos. Em novembro, os órgãos reguladores norte-americanos discutirão possíveis mudanças na estrutura do mercado de treasuries, a fim de tentar solucionar problemas sistêmicos.
E é por uma boa razão, como mostrou a repentina ascensão ao poder de Rishi Sunak no Reino Unido. Sua antecessora no cargo de primeira-ministra, Liz Truss, acabou ficando sem apoio do seu partido após a apresentação de um desastroso “miniorçamento” que previa renúncias fiscais sem a devida prestação orçamentária, o que fez com que as taxas dos títulos britânicos, conhecidos como “gilts”, disparassem.
Essas reviravoltas, em conjunto com sinais de crepitação nos fundos de pensão, fizeram com que o Banco da Inglaterra interviesse nos mercados de dívida do Reino Unido através de aquisições temporárias de dívida no valor de 5 bilhões de libras esterlinas. O mandato de Truss chegou ao fim, não antes de provocar um caos nos mercados de títulos dos EUA e da Europa.
Os dirigentes do Banco Central Europeu se reunirão na quinta-feira. A expectativa é que a instituição com sede em Frankfurt revele mais detalhes sobre a trajetória de alta dos juros e, possivelmente, seu próprio recuo nas compras de títulos.
Nesta semana, os custos do crédito na zona do euro caíram após uma reportagem indicar que o Fed poderia começar a reduzir o ritmo do aperto monetário. Os investidores esperam que o BCE siga seus passos.
Mas as preocupações persistem, ecoando o sentimento atribuído ao estrategista político americano James Carville: “Eu costumava pensar que, se houvesse a reencarnação, gostaria de voltar como presidente ou papa ou um rebatedor de beisebol. Mas agora eu quero voltar como o mercado de títulos. Você consegue intimidar todo mundo”.
Pode ser que o turbilhão vivido pelo mercado de títulos nas últimas semanas mostre que ele estava certo.