Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Os dados de sistema de satélites que faz o monitoramento anual do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal, o Prodes, a serem divulgados na segunda-feira, devem apontar que a região perdeu, entre agosto de 2018 e julho deste ano, entre 9 mil e 11 mil quilômetros quadrados de mata nativa, no maior número registrado desde 2008.
"Deve ficar entre 9 mil e 11 mil quilômetros quadrados. Essa é a projeção que se faz com base nos dados que o Deter revelou para esse mesmo período", disse à Reuters o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsável por monitorar o desmatamento, Gilberto Câmara.
O índice também é apontado por outras fontes ouvidas pela Reuters com conhecimento dos dados.
O mesmo número é estimado também em um estudo publicado no periódico Global Challenge Biology, que analisou as causas e os números da crise das queimadas na Amazônia este ano.
Usando a comparação entre os dados do Deter --sistema mensal de monitoramento de desmatamento usado pelo Inpe, mais impreciso, mas que gera alertas de onde há suspeita de ação de desmatadores-- e a relação tradicional com os números anuais do Prodes, o estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (MG) e da universidade britânica de Lancaster, apontou para um desmatamento de 10 mil quilômetros quadrados.
Se os dados apresentados nesta segunda-feira pelo Inpe confirmarem essas estimativas, o número do desmatamento será o maior desde o período 2007-2008, quando fechou em 12.911 quilômetros quadrados de área desmatada.
De acordo com os dados disponíveis nas páginas do Inpe, o Deter levantou, no mesmo período usado pelo Prodes --1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019-- um desmatamento raso de 6.840 quilômetros quadrados. A estimativa leva em conta que os números do Prodes costumam ser, em média, 1,54 vezes o levantado pelo Deter.
No período 2017-2018, o Deter havia levantado um desmatamento de 4.571 quilômetros quadrados, mas o número do Prodes finalizado chegou a 7.536 quilômetros quadrados, 64,8% maior. Nos dois períodos anteriores, a variação foi de 49,7% e 46,8%, sempre com o Prodes finalizando maior que os dados do Deter.
A estimativa dos técnicos representaria um crescimento em torno de 30%, um índice menor do que o apontado recentemente nas comparações de crescimento do desmatamento em julho, agosto e setembro deste ano com 2018, mas ainda assim um salto maior do que os registrados nos últimos anos.
Além disso, o Prodes ainda deixa de fora justamente os meses de agosto e setembro deste ano, pegando apenas julho dentre os meses em que o desmatamento realmente cresceu.
Em julho, os dados do Deter apontaram para 2.254 quilômetros quadrados de área desmatada, um valor 278% maior do que em 2018. Em agosto, mais 1.701 quilômetros quadrados desmatados, 70% mais que no mesmo mês de 2018, e, em setembro, mesmo com a ação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para controle das queimadas, um crescimento de 96%.
Até junho deste ano, quando o Deter detectou um início do crescimento da área desmatada, os números ainda estavam levemente abaixo de 2018. Neste mês, o crescimento foi de 25%.
Questionado sobre essas estimativas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que ainda não teve acesso aos dados fechados do Inpe e por isso não queria comentá-los, mas minimizou o crescimento projetado.
"Se ficar entre 9 e 11 mil, é a curva da subida que vem acontecendo desde 2012", disse. "Se chegasse naqueles números que a imprensa vinha falando, tinha que ficar em 14 mil."
Segundo Salles, o governo irá anunciar algumas medidas na segunda-feira junto com a apresentação dos números, mas na semana que vem, depois de chamar uma reunião com os governadores da região amazônica, novas ações devem ser programadas.
O anúncio dos números, normalmente feito em Brasília, foi deslocado para São José dos Campos, onde fica a sede do Inpe. O aviso foi divulgado na noite de sexta-feira, feriado no país.
CRÍTICAS
A divulgação mensal dos dados do Deter, que apontaram um crescimento exponencial a partir de julho, abriram uma crise no governo que levou à demissão do então presidente do Inpe, Ricardo Galvão.
Em entrevista a correspondentes estrangeiros, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que Galvão estava "a serviço de ONGs estrangeiras" e que os números estariam errados.
O ministro do Meio Ambiente chegou a chamar uma entrevista no Palácio do Planalto para apontar falhas no trabalho do Inpe e disse que os números "não refletiam a realidade", mas acabou por admitir que havia aumento.
Logo depois da revelação do aumento do desmatamento, em agosto deste ano, o número de queimadas na Amazônia atingiu o ápice, em um crescimento de mais de 80% em relação ao período comparativo do ano passado. As informações e imagens sobre a devastação da floresta amazônica correram o mundo e provocaram críticas à política ambiental do governo.
O estudo apresentado no Global Biology Challenge relaciona o aumento das queimadas --em um ano sem uma seca pronunciada-- ao desmatamento, especialmente na relação entre áreas de desmatamento apontadas pelo Deter e os locais de aumento das queimadas.
(Edição de Eduardo Simões e Maria Pia Palermo)