CAMPINAS, São Paulo (Reuters) - O diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse nesta quarta-feira que a discussão sobre a autonomia financeira da autoridade monetária está antecipada, defendendo que haja um debate mais transparente sobre quais são os efeitos para todos as partes envolvidas.
"Eu acho que a gente se antecipou no debate em colocar uma ideia de se é contra ou a favor... o que precisa ser discutido é quais são os impactos para todos os agentes", disse Galípolo em discurso durante aula inaugural para alunos de graduação do Instituto de Economia da Unicamp, em Campinas.
O diretor do BC lamentou que a discussão sobre a autonomia financeira tenha atingido a atual "fase" de forma precipitada e apontou que o debate precisa se concentrar sobre se há espaço para "melhoria no arcabouço institucional" da autoridade monetária.
Ele argumentou que toda instituição pública deve estar "aberta" a uma "revisitação" de seu arcabouço.
"Acho que a discussão a ser feita é uma discussão anterior e deve partir sobre os benefícios que isso traz", afirmou.
Galípolo analisou que o debate sobre a autonomia financeira tem gerado uma percepção de que o BC não quer prestar contas à sociedade. Ele disse que, na verdade, a autarquia não deseja estar "alienada" do resto da população.
Ele também rejeitou a ideia de que, com a autonomia financeira, o BC poderia "fazer o que bem entende", indicando que se trata mais de uma liberdade de execução do que determinação de metas, assim como funciona na condução da política monetária.
"Quem tem autonomia para executar, não tem autonomia para determinar as metas. Isso funciona na política monetária", apontou.
Os comentários de Galípolo ocorrem em meio às discussões no Congresso sobre uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que forneceria autonomia financeira ao BC -- que seria acrescida à autonomia operacional que a autarquia já possui desde 2021.
Com a autonomia financeira e orçamentária, em tese a instituição teria maior liberdade para administrar suas receitas. Atualmente, o orçamento do BC está vinculado à União.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem defendido a PEC de maneira aberta quando questionado em suas aparições públicas e chegou a se reunir com líderes do Legislativo para discutir a proposta.
No entanto, a discussão da PEC tem colocado o govero e o BC em rota de colisão. Na terça-feira, em entrevista gravada à CNN Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que discorda de alguns pontos presentas na proposta e criticou Campos Neto por não ter tido uma conversa prévia com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o tema.
Galípolo, que ocupava o cargo de secretário-executivo do Ministério da Fazenda até meados do ano passado e é cotado para suceder Campos Neto no comando da autarquia, enfatizou apenas, em sua fala na Unicamp, a necessidade de mais debate sobre a questão da autonomia financeira.
A discussão ocorre também em meio às movimentações dos servidores do BC por melhores condições de trabalho e salários mais competitivos desde o ano passado, o que vem afetando sistematicamente a divulgação de diversos indicadores.
As questões da reestruturação de carreiras dos servidores do BC e da definição de seus salários também seriam impactados no cenário em que o Congreso promulgasse a autonomia financeira da autoridade monetária.
CONSUMO DAS FAMÍLIAS E OPORTUNIDADE
Em sua fala, Galípolo ainda afirmou que o consumo das famílias vem apresentando resiliência no Brasil, demonstrando expectativa de que essa tendência persista em face de programas sociais, como o Bolsa Família, da política de valorização do salário mínimo e da queda da inflação.
"O consumo das famílias vem apresentando uma resiliência e me parece que essa resiliência deve persistir", disse o diretor do BC.
Galípolo também destacou que o Brasil tem uma janela de oportunidade em meio à rearticulação das cadeias produtivas globais por ser um país que pode produzir a transição ecológica com menos poluição e custo.
Ele ressaltou que essa oportunidade se soma à expectativa de um ciclo de redução de juros pelo Federal Reserve, que pode estimular a atração de recursos para o Brasil.
Galípolo ainda tratou da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na terça-feira, após as autoridades do BC decidirem realizar um novo corte de 0,50 ponto percentual na taxa Selic, agora em 10,75%. No texto, o BC retirou a indicação de novos cortes de meio ponto para além da próxima reunião, em maio.
O diretor do BC mencionou um parágrafo da ata em que as autoridades afirmam ainda não conseguir observar uma correlação entre um mercado de trabalho mais aquecido e o processo inflacionário, justificando que no cenário econômico atual "não é simples" encontrar tais correlações entre variáveis.
(Por Fernando Cardoso)