Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) - A estabilização econômica aliada a avanços no processo de estruturação de projetos e nos desenhos e gestão dos contratos de infraestrutura pode estar criando as bases para que o Brasil possa, enfim, enfrentar suas enormes carências na área de logística de forma sustentável.
A avaliação de especialistas é que com o cenário de juros baixos, horizonte de crescimento modesto, mas estável, e regulação mais bem amarrada, rodovias, ferrovias, portos e aeroportos receberão recursos vultosos nos próximos anos, atraindo a atenção de investidores externos em meio a um cenário de baixo crescimento global.
"Há uma conjugação de vários elementos que vai desencadear um grande ciclo de investimentos, dessa vez muito sustentável", afirma o economista Frederico Turolla, sócio da consultoria Pezco Economics. Ele cita como um dos fatores importantes desse novo cenário a melhora da qualidade dos projetos de infraestrutura do país, processo que ganhou impulso com o novo peso da atuação do BNDES na estruturação desses projetos, e também da Caixa, das instituições multilaterais e do próprio setor privado.
Para Turolla, o desenho dos contratos também tem avançado nos anos recentes, com modelos que passaram a focar mais os serviços finais a serem oferecidos pelos concessionários e menos as obras.
"A gente tem um estoque de contratos que tem um DNA de empreiteiro, em que você vê uma infraestrutura superdimensionada para o foco que ele vai ter. Esse estoque já está em mutação", afirmou, destacando as duas últimas rodadas de leilão de aeroportos. "Ainda há muitos problemas, mas o avanço está na direção correta."
A estimativa do Ministério da Infraestrutura é que os 44 leilões programados para 2020, que incluem rodovias e ferrovias importantes, resultem em investimentos de 101 bilhões de reais ao longo dos anos seguintes. A carteira dos projetos previstos até 2022 é de 231 bilhões de reais.
Os 27 certames de 2019, que foram gestados ainda no governo anterior e cujos destaques foram a ferrovia Norte-Sul e conjunto de 12 aeroportos, geraram 9,4 bilhões de reais em investimentos e 5,9 bilhões em pagamento de outorgas.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem chamado a atenção para esse prognóstico de entrada de recursos, ressaltando que, em meio à queda da taxa Selic, o país vai passar a atrair mais investidores estrangeiros na economia real, o que contribuirá para impulsionar o crescimento.
"Quanto maior é a defasagem de infraestrutura no Brasil, maior é o fluxo (de investimentos)", afirmou a jornalistas na última semana, durante detalhamento do relatório de inflação do BC.
Ao comentar a projeção do BC de crescimento do PIB de 2,2% para 2020, Campos Neto acrescentou que "parte desse crescimento vai ser fomentado por novos marcos regulatórios que vão atrair investimento estrangeiro para infraestrutura".
AGÊNCIAS
A advogada Karin Yamauti Hatanaka, sócia do escritório Cescon Barrieu em Infraestrutura e Project Finance, aponta como mudança regulatória favorável recente a aprovação da nova lei das agências reguladoras, sancionada em julho, que atualizou regras de gestão e estabeleceu requisitos técnicos a serem cumpridos pelos membros dos conselhos diretores, entre outros pontos.
"A nova lei deve trazer um pouco mais de agilidade, de gestão, governança para as agências reguladoras. Acho que é um processo que deve tomar mais forma nos próximos anos", afirmou Hatanaka, acrescentando que o processo decisório atualmente ainda é relativamente lento nas agências, o que "joga muito contra o concessionário".
A advogada também destaca a regulamentação, editada em setembro, da lei que estabeleceu processos de arbitragem como método para resolver litígios na concessão de portos, aeroportos, ferrovias e rodovias. A expectativa é que a nova sistemática dê mais agilidade na solução de questões como recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, evitando a judicialização, que pode arrastar por anos os contenciosos, travando investimentos.
O secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, afirma que a sintonia fina entre a equipe do Executivo e do Tribunal de Contas da União (TCU) também tem contribuído para destravar ou evitar atrasos em projetos. “A gente tem hoje uma parceria muito grande com o Tribunal de Contas, temos feito essa construção conjunta com a área técnica. Hoje eles já sabem qual nossa agenda para 2020, 2021, estão se preparando para receber isso”, afirmou Sampaio, que é servidor de carreira da área de infraestrutura.
Ele cita como exemplo a aprovação pelo tribunal, no mês passado, da renovação antecipada por 30 anos da ferrovia Malha Paulista, que destravou investimentos estimados em até 7 bilhões de reais e abriu o caminho para quatro outras renovações similares, todas previstas para 2020. “O tribunal melhorou muito a modelagem do projeto”, diz Sampaio.
A meta do governo é elevar de 12% para 29% a participação das ferrovias na matriz de transporte até 2025. Para tanto, os projetos de desenvolvimento da malha são calcados no tripé renovação antecipada, concessões e autorizações.
Em 2020, estão programadas para o segundo semestre a concessão das ferrovias Fiol e Ferrogrão, que viabilizarão a ligação de grandes centros produtores de grãos no interior com portos na Bahia e no Pará, respectivamente.
Com as autorizações ferroviárias, o governo quer permitir que o setor privado construa pequenos trechos ferroviários que façam a ligação com os troncos maiores. Projeto de lei de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), em tramitação no Congresso com o apoio do governo, regulamenta as autorizações.
"A minha geração ouviu muito que o Brasil precisava ser um país que investia mais em ferrovia, por causa das suas dimensões continentais. Acho que a próxima geração vai investir mais em hidrovias, é um projeto que também está no nosso radar o tempo inteiro", afirmou Sampaio, ressaltando a importância do planejamento intermodal.
FINANCIAMENTO
A redução da taxa básica de juros e a saída de cena do BNDES como principal financiador de investimentos de longo prazo têm permitido o florescimento do crédito privado no setor de infraestrutura o que, em meio à crise fiscal do setor público, dá mais tranquilidade em relação à sustentabilidade desse financiamento.
As emissões de debêntures de infraestrutura somaram 21,3 bilhões de reais este ano até outubro e a expectativa é que elas superem até dezembro o volume emitido em 2018, de 21,6 bilhões de reais. Esse instrumento foi regulamentando em 2011, mas só ganhou fôlego a partir de 2016, quando o BNDES aumentou a taxa cobrada em seus empréstimos e perdeu protagonismo como financiador.
"O mercado de financiamento de infraestrutura está voando e vai ter capacidade para sustentar isso tudo", afirma Igino Zucchi, membro do comitê executivo da organização Infra2038, em referência aos projetos nas diferentes áreas de infraestrutura. A entidade é vinculada à Fundação Lemann, do bilionário Jorge Paulo Lemann, e tem como meta colocar o Brasil, até 2038, entre os 20 primeiros países no quesito infraestrutura do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial.
Em outra iniciativa para fomentar os investimentos, o governo já anunciou que vai oferecer nos leilões do próximo ano a alternativa de um instrumento para mitigar o risco cambial nos contratos de concessão, com a previsão de uma outorga variável para compensar oscilações cambiais para os investidores que tenham tomado dívida em moeda estrangeira.
Para Zucchi, as taxas de crescimento ainda modestas previstas para a economia brasileira nos próximos anos não são um obstáculo aos investimentos. Ele ressalta que as defasagens do país são muito grandes e que os projetos nessa área tem horizontes de longo prazo.
(Edição Alberto Alerigi Jr.)