Por Pablo Garcia e Eduardo Simões
ALTAMIRA, Pará/SÃO PAULO (Reuters) - Uma equipe de fiscalização do Ibama foi alvo de tiros por parte de garimpeiros durante operação de fiscalização na sexta-feira, perto da Terra Indígena Ituna/Itatá, em Altamira, no Pará, e homens da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública, que davam apoio à operação, revidaram.
Ninguém ficou ferido na troca de tiros, e os garimpeiros, que se esconderam na mata com a chegada dos fiscais, não foram presos. Os agentes do Ibama destruíram duas retroescavadeiras e três motores usados no garimpo, de acordo com Hugo Loss, coordenador do Ibama responsável pela operação, acompanhada por uma equipe da Reuters.
"Eles (garimpeiros) se esconderam no mato e dispararam contra a equipe", disse Loss à Reuters por telefone, acrescentando que o desmatamento tem aumentado significativamente na região, especialmente nessa reserva indígena que, de acordo com o coordenador, teve 10% de sua área desmatada somente neste ano.
Loss afirmou que um aumento expressivo da grilagem de terras na área indígena impulsionou a alta de desmatamento na reserva Ituna/Itatá que, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), é destinada a índios isolados, engloba os municípios de Altamira, Anapu e Senador José Porfírio e ocupa uma área de 142.402 hectares.
De acordo com Loss, a demarcação dessa área foi uma das condicionantes para permitir a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. A reserva é de restrição de uso, o que significa que nenhuma atividade pode ser desenvolvida na região, e a demarcação visa proteger índios isolados, cujos sinais de presença foram detectados durante a construção da usina.
O garimpo, alvo da operação com troca de tiros nesta sexta, fica a cerca de 50 quilômetros da área indígena, disse o coordenador do Ibama.
"Essa demarcação da terra (Ituna/Itatá) é feita com base em um decreto presidencial. Com a alteração toda que houve na orientação da política ambiental, criou-se uma expectativa de regularização, de desregulamentação dessa terra, de desfazimento desse decreto", disse Loss.
"Então a grilagem aumentou muito forte lá dentro dessa expectativa. Isso causou o aumento drástico do desmatamento naquela área."
O presidente Jair Bolsonaro, que vem sofrendo pressão internacional por causa do aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, é crítico ferrenho da demarcação de terras indígenas. Segundo ele, as demarcações visam "inviabilizar" o Brasil.
Bolsonaro, que já disse várias vezes que não assinará a demarcação de nenhuma nova área indígena em seu governo, defendeu na manhã de sexta-feira a revisão das demarcações já feitas, apontando suspeitas de fraudes, sem dar detalhes.
APOIO POLICIAL
Com a pressão internacional sobre o governo brasileiro por causa da Amazônia, Bolsonaro editou um decreto de garantia da lei e da ordem para que militares das Forças Armadas ajudem no combate às queimadas na floresta. O governo também enviou a Força Nacional de Segurança Pública para auxiliar no combate ao desmatamento.
Loss disse que, com essas duas medidas, as equipes de fiscalização do Ibama voltaram a ter condições de realizar operações no Pará. De acordo com o coordenador do Ibama, a Polícia Militar do Estado não vinha oferecendo apoio às equipes.
"Desde maio, a gente não tem apoio da Polícia Militar do Estado do Pará", disse Loss.
"Somente agora que o desmatamento e o fogo foram realmente reconhecidos como alarmantes, é que houve o decreto da GLO, e com isso a gente conseguiu condições para poder operar aqui nesta área", afirmou. "Nesta área a gente tinha operações programadas em junho e julho, mas a gente não conseguiu executar as operações nesta área em que a gente está hoje por falta de apoio."
Segundo o coordenador do Ibama, as autoridades paraenses alegavam que era necessário um acordo de cooperação técnica com o Ibama, que não foi assinado, para fornecer apoio às equipes.
"Mas esse acordo nunca foi necessário anteriormente. Os termos do acordo não evoluíram na negociação e assim a coisa foi ficando travada", disse Loss.
Procurada, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) negou, por meio da assessoria de imprensa, que a PM paraense tenha deixado de dar apoio às equipes de fiscalização do Ibama.
O órgão disse que, desde o início do ano, tem buscado fechar um termo de cooperação com o Ibama para dar respaldo jurídico aos policiais que dão apoio às operações, e que acordos deste tipo foram fechados com outros órgãos federais, como a Funai e o ICMBio. A secretaria ressalvou, no entanto, que a falta do termo não impediu a PM de dar apoio ao Ibama.
De acordo com nota da secretaria, nos dias 21 e 25 deste mês, as polícias civil e militar do Pará participaram, junto a outros órgãos como o Ibama, de operações que resultaram na apreensão de madeira, equipamentos usados no desmatamento, armas de fogo e na destruição de acampamentos clandestinos.
Documentos obtidos pela Reuters nesta semana mostraram que o Ibama alegou ao Ministério Público Federal (MPF) que não teve o respaldo necessário da Polícia Militar do Pará para evitar a realização no dia 10 de agosto do chamado "dia do fogo", quando foi registrado, segundo dados oficiais, um aumento no número de focos de incêndio no sudoeste paraense.
Na ocasião, a Segup disse em nota que mantinha o apoio às equipes de fiscalização e que "somente nos sete primeiros meses de 2019, mais de 70 fiscalizações foram deflagradas com a integração entre as instituições, o que será massificado durante o segundo semestre deste ano".
Em entrevista à Reuters nesta semana, o procurador da República, Ricardo Negrini, disse que os danos ambientais gerados pelo "dia do fogo" poderiam ter sido parcialmente evitados com um suporte policial para a ação que o Ibama pretendia fazer antes do ato.
O procurador disse ainda que, a despeito do suporte ou não da polícia nesse tipo de ação, os efetivos para operações de fiscalização de meio ambiente tanto no âmbito estadual como federal são insuficientes.
(Reportagem adicional de Nacho Doce, em Altamira)