Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - O governo apresentou nesta terça-feira a proposta de arcabouço fiscal que será enviada ao Congresso, estabelecendo que as despesas poderão crescer até 70% do aumento observado nas receitas recorrentes, visando dar sustentabilidade à trajetória da dívida pública, além de definir limites mínimos e máximos para a alta dos gastos.
As regras fiscais propostas buscam substituir o teto de gastos atual, mais rígido e criticado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por limitar o crescimento dos gastos públicos apenas à variação da inflação do ano anterior.
Assim como no teto, o novo arcabouço terá exceções à regra de gastos, uma lista com mais de dez tipos de desembolsos que não serão contabilizados nos limites anuais, como a capitalização de estatais e gastos em situações de emergência.
O texto, divulgado pelo Ministério da Fazenda, segue as premissas gerais apresentadas pela equipe econômica no fim de março, quando divulgou as linhas gerais da proposta.
Para o período de 2024 a 2027, a regra estabelece que as despesas públicas não poderão crescer mais do que 70% da variação da receita líquida recorrente do governo. Esse cálculo será feito a partir da arrecadação observada em 12 meses até junho do exercício anterior, sem considerar receitas com concessões de serviços públicos, dividendos de estatais ou royalties.
Haverá ainda um piso e um teto para balizar esse crescimento de gastos, que poderá variar anualmente entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. Para guiar essa correção, será observado o índice de preços de janeiro a junho, acrescido da projeção para o dado até dezembro. Essa decisão tem potencial para inflar as contas do ano que vem.
Essa definição deve gerar um ganho ao governo em 2024 porque a inflação em 12 meses até junho deste ano deve ser mais baixa do que até dezembro. Isso ocorrerá porque houve deflação no fim do ano passado e, por base de comparação, a inflação acumulada do fim deste ano tende a ser maior.
O texto define que a cada ciclo de governo, as metas e tolerâncias para quatro anos serão definidos por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A norma de gasto será combinada à meta de resultado primário --alvo a ser perseguido levando em conta a diferença entre receitas e despesas, sem considerar gasto com juros da dívida. Enquanto o sistema atual tem um alvo sem margem, a meta terá uma tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB para mais ou para menos.
Se o piso da banda for desrespeitado, haverá uma limitação mais forte para o crescimento das despesas, com a margem para ampliação de gastos no ano seguinte caindo de 70% para 50% da alta das receitas.
O texto não cria gatilhos específicos para correção de rumo e redução de despesas, cabendo ao governo em exercício decidir politicamente quais áreas sofrerão cortes caso necessário.
O objetivo do governo com a regra é atingir déficit zero em 2024 e superávits de 0,5% em 2025 e 1,0% em 2026.
A medida também define um piso para investimentos públicos no valor correspondente ao observado no Orçamento de 2023, estimado em 75 bilhões de reais, patamar que será corrigido anualmente pela inflação.
Como forma de estimular os governos a melhorar as contas, quando o teto da meta fiscal for superado, parte do excesso de arrecadação poderá ser convertido em gastos com investimentos. Esse gasto adicional será limitado a 25 bilhões de reais por ano, corrigidos pela inflação.
Pelo desenho da medida, que prevê uma melhora na dívida pública, mas autoriza um contínuo aumento real das despesas, o ajuste fiscal terá relevante contribuição de medidas que elevam receitas.
Parte das ações foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas ainda depende de formalização, como a taxação de apostas esportivas e a restrição de benefício fiscal do Imposto de Renda de empresas.
Em uma das frentes, a que fecharia o cerco a sites de ecommerce ao acabar com a isenção para encomendas de até 50 dólares vindas do exterior, o governo recuou e anunciou nesta terça ter desistido de adotar a medida.
Exceções
Ao apresentar pontos da proposta em março, o governo informou que duas rubricas seriam mantidas como exceção à regra de limites de gastos, conforme já autorizado na Constituição, permitindo desembolsos mais livres: repasses relacionados ao pagamento do piso salarial da enfermagem e ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
No entanto, outras áreas também ficarão fora da regra. Parte delas já não era contabilizada no teto e, na prática, será mantida, ainda que sigam contando para efeitos da meta de resultado primário.
De forma similar ao teto, a capitalização de estatais ficará fora da regra, mas com uma limitação. Serão beneficiados apenas aportes a estatais não financeiras e não dependentes de recursos do Tesouro Nacional. Uma eventual capitalização do BNDES, por exemplo, seria contabilizada.
Será mantida a exceção para créditos extraordinários, recursos liberados em situações imprevisíveis e de comprovada urgência.
Em outra frente, ficarão fora da conta transferências a Estados e municípios para área de ensino e fundos de saúde, divisão de recursos de petróleo e repartição tributária.
Em pontos já previstas na PEC da Transição, aprovada em dezembro, fica mantida a exceção para gastos relacionados a mudanças climáticas bancados por doações. Também pelo mesmo instrumento, universidades e instituições federais ficam liberadas para gastar verbas provenientes de receitas próprias, doações ou convênios.
Também não serão contabilizados gastos não recorrentes da Justiça Eleitoral em eleições e gastos com precatórios após acordo para pagamento com desconto, além de desembolsos da Agência Nacional de Águas vinculados à cobrança pela gestão de recursos hídricos.