Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu pautar para esta terça-feira o julgamento do recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que aponta suposta atuação parcial do ex-juiz Sérgio Moro no caso do tríplex do Guarujá analisado no âmbito da operação Lava Jato, informou o tribunal.
Pouco depois da decisão de Gilmar Mendes, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, pediu o adiamento do julgamento da suspeição de Moro e quer que essa análise seja feita pelo plenário do Supremo, defendendo uma decisão do presidente da corte, Luiz Fux, nessa questão.
O recurso em questão que pode ser analisado nesta tarde pela Segunda Turma e, se for aceito, eventualmente anular todas as provas colhidas pela Lava Jato contra Lula avalizadas pelo então magistrado responsável pela operação na Justiça Federal do Paraná.
Uma decisão da Turma de considerar Moro suspeito teria uma amplitude maior do que a tomada na véspera pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, que considerou a Justiça Federal de Curitiba incompetente de julgar condenações e recebimento de denúncias do ex-presidente.
No entanto, Fachin fez um pedido formal para que a suspeição de Moro não seja discutida na sessão desta terça-feira, sob alegação de que ela ficou prejudicada por sua decisão relativa aos processos contra Lula. Ao tentar levar o caso para o plenário, busca ter maiores chances de sucesso no julgamento com os 11 ministros do STF ante os cinco da Segunda Turma.
Na decisão de segunda-feira Fachin determinou a remessa dos processos para a Justiça Federal do Distrito Federal e reabilitou os direitos políticos de Lula, que, em tese, poderia concorrer a um cargo eletivo nas eleições do próximo ano após ter sido preso, considerado ficha-suja e ter sua candidatura presidencial barrada no pleito de 2018.
A decisão determinou o envio à Justiça do DF dos casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e nas ações sobre a construção do Instituto Lula e doações recebidas pela entidade.
Na questão do julgamento da suspeição pela turma, segundo fonte ouvidas pela Reuters, Moro poderá ser considerado parcial em ter autorizado a colheita de provas, tomada de depoimentos e homologação de delações premiadas no caso do tríplex. Se isso ocorrer, na prática, processos da Lava Jato contra Lula que tramitaram em Curitiba podem ser totalmente anulados.
O julgamento da suspeição foi incluído por Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma, como o terceiro item do colegiado. Até o momento, houve o voto de Edson Fachin contrário ao pedido de suspeição de Moro. Faltam votar, além de Gilmar Mendes, os ministros Nunes Marques, Ricardo Lewandoski e Cármen Lúcia.
A expectativa, segundo fontes do STF, é que o colegiado aceite o pedido da defesa de Lula e considere Moro, ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, suspeito em sua atuação.
SURPRESA
A decisão de Fachin pegou ministros e integrantes da Corte de surpresa, relataram as fontes. O presidente do STF, Luiz Fux, só foi informado pelo ministro depois do anúncio e o procurou para conversar sobre a decisão, disse uma das fontes.
"A decisão surpreendeu a todos, indistintamente e aí se volta à estaca zero em quatro processos-crime", disse o ministro Marco Aurélio Mello à Reuters, para quem Fachin "potencializou" o princípio que o órgão competente para julgar é definido pela territorialidade, portanto, seria a Justiça Federal de Brasília e não de Curitiba.
"Esse princípio é excepcionalizado no tocante a processo que envolve mais de um acusado pela continência e conexão probatória", avaliou.
Para o ministro do STF, houve processos que tramitaram na 13ª Vara de Curitiba, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça e só agora, após anos, por meio de um habeas corpus foi questionada a competência da Justiça paranaense.
Marco Aurélio alertou que a decisão de Fachin poderá abrir brecha para outros envolvidos na operação.
"Sem dúvida alguma a decisão reflete um gancho para que interessados consigam e venham a pretender a extensão da medida", disse.
Para o ministro do STF, não fica claro como as provas da Lava Jato seriam preservadas pela decisão do colega e de que forma isso poderia interferir no julgamento da parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro.
"O juiz Moro tem grandes serviços prestados e não pode ser transformado de mocinho em bandido", disse Marco Aurélio.
IMPASSE
Há um impasse, contudo, em meio ao julgamento. Na decisão tomada na véspera, Fachin entendeu que havia perdido o objeto o julgamento da suspeição de Moro após sua decisão de ter remetido o caso para a Justiça Federal de Brasília.
Outra corrente discorda do entendimento de Fachin e sustenta que, diante do fato de o julgamento da suspeição já ter sido iniciado, ele não poderia ser desconsiderado por uma decisão posterior, segundo fontes da corte ouvidas pela Reuters.
Duas fontes do STF disseram, reservadamente, que a decisão de Fachin teve por objetivo se antecipar a uma derrota que ele teria no julgamento pela Segunda Turma da suspeição de Moro, preservando assim ao menos as provas da operação Lava Jato.
Uma delas classificou a iniciativa de Fachin de "manipulação" e ainda avaliou que ela poderia dar tempo razoável para que a Justiça Federal de Brasília e o tribunal de segunda instância, o TRF-1, condenasse o ex-presidente antes da eleição do próximo ano. Se isso ocorrer, ele seria considerado novamente ficha-suja e impedido de disputar em outubro de 2022.
Outra fonte do STF, sob a condição do anonimato, admitiu que houve uma tentativa de preservar o que for possível da Lava Jato.
A Procuradoria-Geral da República informou que vai recorrer da decisão de Fachin, mas ainda prepara o recurso. Caberá ao ministro levá-lo à turma ou ao plenário do Supremo.