O diretor-presidente da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, Marcus Pestana, disse que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “abandonou” a perseguição do centro da meta fiscal de 2024, de zerar o deficit primário. O rombo nas contas públicas foi de quase R$ 100 bilhões no acumulado de janeiro a agosto.
Pestana falou com o Poder360 após publicada a entrevista exclusiva com o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, que disse que seria necessário um controle mais consistente dos gastos obrigatórios.
O presidente da IFI fez críticas à política fiscal do governo e lançou 5 alertas (leia mais abaixo) sobre o diagnóstico das contas públicas. Avalia que a equipe econômica terá dificuldades, mas deverá cumprir a meta fiscal deste ano, que permite um deficit de até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto). Segundo ele, haverá um grande esforço, porque seria “desmoralizante” ao ministro Fernando Haddad (Fazenda) e um “abalo profundo” o não cumprimento da regra no 1º ano de vigência da lei que substituiu o teto de gastos.
“O governo tem ferramentas. Vai tentar de todas as formas cumprir a meta e acho que até vai, mas hoje os números que estão na mesa não permitem falar que a meta será cumprida mesmo na margem de tolerância”, disse.
A IFI estima que o crescimento da dívida bruta vai levar o estoque para 100% do PIB em 2034 –em 10 anos. O governo está trocando gasto presente por dívida futura. Enquanto isso, o Brasil deixa de ter um legado de investimentos em obras, como portos, aeroportos, estradas e ferrovias, e na ciência e tecnologia para aumentar a produtividade.
“Nós estamos pagando juros da dívida passada com mais dívida, porque não temos superavits primários […]. Não há um cenário de produção de saldo primário que nos permita pagar juros”, disse.
Segundo ele, as projeções da IFI não dão margem para “histeria” dos agentes financeiros. Defende que o Brasil está longe da realidade da Argentina e Venezuela e que a situação está “sob controle”, com o PIB crescendo, uma política monetária “bem-resolvida” e reservas internacionais abundantes. “O calcanhar de Aquiles é o fiscal”, disse.
FISCAL CONDICIONADO
Em 2023, o governo precisou de R$ 169 bilhões em medidas de receita para cumprir o Orçamento deste ano. Já em 2024, a equipe econômica pediu ajuda de R$ 166 bilhões para cumprir o Orçamento de 2025.
Para Pestana, busca incessante por aumento de receita foi provocada pelo próprio governo no início do mandato de Lula. “Todo o esforço político do governo para aprovar projetos no Congresso foram neutralizadas por duas medidas. Por isso as despesas cresceram e por isso não vai ter deficit zero”, defendeu. Eis as medidas:
- valorização real do salário mínimo – que é indexado a outros gastos. Cerca de 60% das despesas com Previdência são impactadas pelo aumento do piso. Outros benefícios, como o seguro-desemprego e o abono salarial também são ligados ao salário mínimo;
- pisos da saúde e educação.
“A receita cresceu muito. Acima da inflação? Muito. Mas está enxugando gelo, porque as despesas cresceram mais que as despesas por basicamente duas medidas, independente do mérito”, defendeu Pestana.
O aumento do salário mínimo acima da inflação “carrega” boa parte das despesas do Orçamento Federal, o que impede investimentos em outras áreas.
“A IFI não se pronuncia sobre o mérito. Às vezes uma política meritória e correta não dispensa discussão sobre o seu financiamento”, disse o presidente da IFI. “Não tem almoço grátis. Tudo custa dinheiro e não é um saco sem fundo”, completou.
O orçamento brasileiro é rígido. Cerca de 95% das despesas são obrigatórias. Com o crescimento destas cifras, outros gastos têm que ser comprimidos. Tão defendido por Lula, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) detém R$ 50 bilhões, enquanto o Orçamento tem gastos de R$ 2,130 trilhões.
“O país precisava de um investimento 10 vezes maior no governo federal: ferrovias, estradas, portos, ciência e tecnologia. Nós estamos ficando atrasado em inteligência artificial”, disse Pestana.
Rodrigo Viana/Senado Federal – 10.jul.2023 O economista e professor Marcus Pestana, 65 anos, é presidente da Instituição Fiscal Independente
ALERTAS E PREOCUPAÇÕES
A IFI fez 5 alertas no último Relatório de Acompanhamento Fiscal, divulgado mensalmente pela instituição. Eis o resumo:
- O PIB (Produto Interno Bruto) cresce, mas também cresce a inflação;
- O deficit primário será de 0,5% do PIB, em 2024, fora da margem de tolerância;
- As receitas estão superestimadas e as despesas subestimadas na proposta de orçamento 2025;
- A dívida pública deve chegar a 80% do PIB ainda em 2024;
- Falta de transparência no orçamento 2025 e uso de expedientes parafiscais.
No 1º alerta, Pestana disse que a atividade econômica tem surpreendido as expectativas. O movimento é bom para todos: trabalhadores e empresários. Por outro lado, a inflação subir é um problema.
“Esses dois vetores [PIB e inflação] estão a favor do ajuste fiscal, mas têm que tomar muito cuidado por conta da sustentabilidade, porque a projeção para 2025 é de uma inflação e PIB menores”, disse Pestana.
O 2º alerta é a divergência sobre o resultado primário de 2024. O governo tem dito que vai cumprir a meta de zerar o deficit neste ano. As projeções são de um rombo de R$ 28,3 bilhões, que está dentro do limite permitido. Pela tolerância, a União poderá ter saldo negativo nas contas públicas de até 0,25% do PIB, o que, em valores, corresponde a R$ 28,3 bilhões.
“O governo está sinalizando que já abandonou perseguir o centro da meta. O Banco Central, quando persegue a meta de inflação, persegue os 3%. Não persegue os 4,5%. A regra do jogo é que permite uma margem de tolerância”, disse.
Com as “cartas que estão na mesa”, segundo Pestana, o deficit primário será de 0,8% do PIB neste ano. O abatimento de despesas que ficam de fora da regra fiscal –como gastos com precatórios, as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Brasil– reduz o saldo negativo para 0,5% do PIB.
O presidente da IFI disse que o governo terá que, pelo menos, fazer com que o deficit de 0,5% reduza para 0,25% neste ano. Pestana avalia que o governo cumprirá a meta dentro da margem de tolerância
“Eles vão fazer da tripa o coração, porque é desmoralizante e abala profundamente a credibilidade do ministro Haddad e da política econômica no 1º de arcabouço fiscal não cumprir a meta”, disse.
ORÇAMENTO DE 2025
O 3º alerta é sobre o Orçamento de 2025, que, segundo Pestana, tem um buraco de R$ 106,6 bilhões segundo cálculos da IFI. O Poder360 questionou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, sobre o Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2025 estar com R$ 87,4 bilhões em receitas superestimadas e R$ 19,2 bilhões em despesas subestimadas. Disse que, se tiver necessidade de fazer ajuste, será feito.
Pestana disse que o governo incluiu no Orçamento estimativas de arrecadação de R$ 14,9 bilhões com o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e de R$ 6,0 bilhões com o imposto de renda sobre o JCP (Juros sobre Capital Próprio).
E completou: “O [presidente da Câmara] Arthur Lira (PP-AL) já disse que dificilmente vai passar. Depende de projeto de lei”.
No 4º alerta, a IFI disse que a dívida bruta vai atingir 80% do PIB neste ano. Em agosto, estava em 78,6%. Pestana disse que a trajetória será de alta. Eis algumas projeções da IFI para a dívida:
- 2025: 82% do PIB;
- 2024: 84% do PIB;
- 2029: 90% do PIB;
- 2034: 100% do PIB.
“Isso dentro da atual dinâmica, sem nenhuma reforma das finanças públicas for feito”, declarou. A Moody’saumentou a nota de crédito do Brasil de Ba2 para Ba1 em 1º de outubro. A medida foi criticada por analistas, porque, dentro da explicação dos motivos, a agência de risco afirmou que o patamar da dívida deve estacionar em 82% do PIB nos próximos anos.
O governo Lula também corrobora com essa estimativa. Pestana disse que, apesar das projeções, o cenário é de dívida crescente. “Entre os latino-americanos e os emergentes, nós somos os líderes disparados. Para um país emergente, um país de 80% é alta. E esse é o principal indicador de sustentabilidade fiscal. É uma herança que estamos deixando para nossos filhos e netos”, disse.
O 5º alerta da IFI é a preocupação com a transparência. Citou possibilidades de os programas Pé de Meia e o Auxílio Gás podem ficar de fora das regras fiscais.
QUEM É MARCUS PESTANA
Marcus Pestana, 64 anos, é economista e professor. Foi deputado federal por 2 mandatos: de 2011 a 2015 e de 2015 a 2019. Ambos foram pelo PSDB. Entre outros cargos, Pestana lecionou na Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O Senado aprovou em junho de 2023 a indicação de Pestana para a IFI, que foi criada em novembro de 2016 para divulgar estimativas de cenários fiscais e orçamentários.