Por Marcela Ayres e Christian Kraemer e Bernardo Caram
SÃO PAULO (Reuters) - Os líderes financeiros dos principais países do G20 não conseguiram chegar a um consenso em torno de um comunicado conjunto, em meio a profundas divisões sobre como abordar conflitos geopolíticos, e coube ao Brasil divulgar um resumo ao final das conversas nesta quinta-feira.
Os líderes financeiros dos principais países do G20 passaram o dia discutindo como descrever as guerras na Ucrânia e em Gaza em um comunicado conjunto, com a Rússia e a maioria das nações ocidentais em desacordo sobre a linguagem, disseram duas fontes do G20 à Reuters.
Os debates sobre os conflitos tomaram parte da atenção das delegações enquanto o Brasil tentava manter o foco das discussões em sua agenda prioritária na presidência do G20, que inclui a redução de desigualdades e a criação de um sistema de tributação internacional que cobre mais de super-ricos.
Em entrevista à imprensa após o fim da reunião, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou que a falta de consenso na área geopolítica, que chegou a se concentrar em "uma palavra" do comunicado, tenha comprometido o debate financeiro.
"Queríamos que temas de geopolítica fossem debatidos exclusivamente na trilha diplomática ... mas como não se chegou na reunião da semana passada no Rio de Janeiro a uma redação comum, isso acabou contaminando o estabelecimento do consenso na nossa", disse.
O ministro afirmou que o resultado da trilha financeira foi consensual, "um sucesso", enfatizando que "todos saíram aplaudindo o resultado". Segundo ele, o Brasil trabalhará para ampliar consensos nas próximas reuniões do grupo.
O G7, grupo dos países ocidentais mais industrializados mais o Japão, estava apoiando a ideia de se referir à guerra "contra" a Ucrânia, enquanto a Rússia queria descrevê-la como a guerra "na" Ucrânia, disseram as duas fontes, uma das quais é da delegação brasileira.
Os países do G7 também apoiavam a linguagem que descrevia a guerra em Gaza como uma "crise humanitária", sem menção a Israel, disseram as fontes.
O Japão disse a seus pares do G20 na quarta-feira que condena o ato de terrorismo do Hamas e que está profundamente preocupado com a crise humanitária em Gaza, disse aos repórteres o vice-ministro das Finanças para assuntos internacionais, Masato Kanda.
As autoridades brasileiras anfitriãs do evento tentaram concentrar as conversas na cooperação econômica para lidar com questões como mudança climática e pobreza, mas países como a Alemanha pressionaram por uma declaração conjunta que mencionasse as guerras na Ucrânia e em Gaza.
O ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, insistiu que não poderia haver negócios como de costume, pois havia uma guerra contra a Ucrânia, o "terror" do Hamas e uma situação humanitária em Gaza.
"Tudo isso não pode nos deixar indiferentes, tudo isso deve ser discutido aqui", disse ele aos repórteres.
APOIO À AGENDA SOBRE DESIGUALDADE
Embora essas tensões tenham pairado sobre a reunião em São Paulo, Achim Steiner, chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), considerou o início da presidência do Brasil este ano como um sucesso, uma vez que a única contenda do segundo dia de conversações sobre a vertente financeira foi "por causa de algumas palavras" numa declaração conjunta.
"O Brasil estabeleceu prioridades claras, por exemplo, com a sua proposta fiscal", disse Steiner à Reuters nesta quinta-feira.
Como parte dos esforços para combater a desigualdade, o Brasil propôs debates sobre um imposto global mínimo sobre a riqueza que garantiria o aumento das contribuições tributárias dos super-ricos.
"Mesmo com taxas de imposto ligeiramente mais elevadas para os cerca de 2.500 bilionários de todo o mundo, poderiam ser geradas receitas adicionais muito consideráveis", afirmou.
A presidência brasileira do G20 também tem como objetivo elaborar uma declaração sobre tributação internacional até a reunião de julho do grupo, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira, reiterando um pedido de soluções para garantir o aumento das contribuições tributárias dos super-ricos.
Diagnosticado com Covid-19 no início desta semana, Haddad decidiu participar presencialmente do último dia de reuniões após realizar dois testes de Covid com resultado negativo. Na quarta-feira, primeiro dia do encontro, a participação do ministro havia sido virtual.
Ele já havia anunciado na quarta que o Brasil proporia debates sobre um imposto global mínimo sobre a riqueza, potencialmente adicionando outra dimensão à cooperação tributária internacional.
O ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, manifestou o seu apoio na quarta-feira a um imposto mínimo global sobre os super-ricos do mundo.
O representante do Japão, Kanda, que está participando nas conversações do G20 em nome do ministro das Finanças do país, disse que o grupo apoiou amplamente a proposta do Brasil de destacar as medidas para combater a desigualdade como a agenda principal deste ano.