Menos de dois meses após a declaração de pandemia por covid-19, ocorrida em 11 de março de 2020, a copeira hospitalar Maria Helena da Silva, de 54 anos, perdeu o emprego. Um ano depois, seu sustento e o da filha de 20 anos dependem de bicos, uma bolsa de R$ 700 mensais recebida pela jovem no estágio e doações de cestas básicas. "Quando ela recebe (a remuneração), a gente compra uma carne mais em conta. Tem que ser acém, salsicha ou linguiça. E depois vai alternando entre sardinha e ovo", diz ela, moradora de Heliópolis, uma das maiores favelas da América Latina.
A perda do salário de R$ 1,3 mil mensais nunca foi recuperada. A dificuldade de Maria Helena é o retrato particular de uma realidade das famílias brasileiras, num cenário de desemprego elevado e uma rede de proteção social ainda insuficiente para cobrir todos os problemas.
Um estudo do Núcleo Mulheres e Território, do Insper, busca jogar luz sobre os reflexos da pandemia para mulheres que vivem nas comunidades. Conduzido pelos pesquisadores Eliana Sousa Silva, Regina Madalozzo e Sergio Roberto Cardoso, o estudo analisa entrevistas com 150 moradoras do Complexo da Maré, no Rio, e em Heliópolis e Jardim Colombo (que faz parte de Paraisópolis), em São Paulo. Embora a quantidade de entrevistas não permita tirar conclusões estatísticas para o restante da população, as situações encontradas ajudam a dimensionar o tamanho da crise e o desafio daqui para frente.
Antes da pandemia, as mulheres exerciam funções como doméstica, cabeleireira, professora e vendedora, postos mais vulneráveis em relação aos ocupados por homens. Sem a possibilidade de trabalhar remotamente, as entrevistadas tiveram horas de trabalho reduzidas ou foram demitidas - muitas vezes antes dos companheiros. A perda de renda levou à suspensão de gastos com lazer e comida por delivery. Não raro, contas atrasaram. O jeito encontrado foi recorrer a atividades informais, como costurar e vender máscaras, ou produzir alimentos, como bolos e cupcakes.
Uma das autoras da pesquisa, a professora Regina Madalozzo diz que o trabalho busca qualificar melhor a sobrecarga das mulheres durante a pandemia. Segundo ela, o debate ficou concentrado nas profissionais em home office, que tiveram de equilibrar o trabalho com tarefas domésticas e filhos, mas menos em mulheres que saíam de casa para atuar como manicures ou domésticas. O objetivo foi dar voz ao segundo grupo.
Segundo ela, muitas mulheres pediram e receberam o auxílio emergencial, mas é um mito que isso tenha levado a uma acomodação. "Nenhuma desistiu de trabalhar ou procurar emprego por causa do auxílio. É um valor que não é suficiente para sustentar uma família", diz.
Para a pesquisadora, a demissão das mulheres em si não é uma questão de gênero de forma direta, mas sim indireta, porque elas ocupam os postos mais vulneráveis, geralmente no setor de serviços, o mais atingido pela pandemia. No ano passado, enquanto foram abertos 195,3 mil novas vagas formais para homens, foram fechados 114,2 mil postos ocupados por mulheres, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Um dos achados do estudo foi a preocupação das mulheres com a contaminação pelo novo coronavírus, e também a percepção de que perdiam o emprego pelo medo dos patrões de elas levarem covid-19 para dentro de suas casas - e não por estarem mais vulneráveis.
Maria Helena relata a dificuldade para conseguir trabalho por causa do medo da contaminação. "Está difícil porque o povo tem medo que a gente ande de coletivo e passe para eles o vírus", diz. Diabética e hipertensa, já está vacinada contra covid-19, mas nutre ela mesma o temor de voltar a trabalhar em áreas de muita exposição, como seria uma ala hospitalar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.