O impasse em torno do Orçamento de 2021 ganhou um novo capítulo ontem com uma verdadeira guerra de pareceres entre Congresso Nacional e Executivo. Em um movimento estrategicamente alinhado, Câmara e Senado se armaram com notas técnicas de suas respectivas consultorias para mostrar que o presidente Jair Bolsonaro pode sancionar o Orçamento sem vetos às emendas parlamentares. O Ministério da Economia, por sua vez, já prepara o próprio embasamento jurídico para recomendar veto à proposta como defende o ministro Paulo Guedes, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
Por trás dessa ação estão os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que nos últimos dias já manifestaram contrariedade com a possibilidade de veto às emendas indicadas pelos parlamentares e que beneficiam seus redutos eleitorais. O movimento adiciona pressão sobre o Palácio do Planalto, após Bolsonaro ter sinalizado que fará um veto parcial para afastar riscos de cometer crime de responsabilidade, passível de impeachment.
As notas das consultorias atacam diretamente esse receio do presidente e dizem, com todas as letras, que a sanção integral do Orçamento não configuraria crime de responsabilidade. Mas nenhuma delas foi publicada oficialmente pelas consultorias e circulam no Congresso em caráter não oficial no dia em que continuam as negociações em torno da decisão final do presidente.
Conselheiros políticos do presidente recomendaram que ele deixe para a próxima semana a definição sobre a sanção do Orçamento da União. A expectativa era de que ele batesse o martelo ontem, depois de ter sinalizado a empresários que faria vetos no Orçamento com um discurso de responsabilidade fiscal e de que não colocaria o "dele na reta". Uma referência indireta ao risco de crime de responsabilidade fiscal, que pode levar ao seu impeachment ou torná-lo inelegível.
Uma dessas lideranças lembrou que o presidente tem prazo até o dia 22 para sancionar o projeto e por isso não precisa de pressa. O clima tenso aumentou no Congresso depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou o Senado instalar a CPI da Covid. Essa preocupação já estava ontem no radar antes mesmo da decisão, como mostrou o Estadão/Broadcast.
Apesar dos pareceres favoráveis à sanção, o Estadão apurou que o entendimento não é unânime e há consultores legislativos que veem risco de Bolsonaro avalizar a lei sem vetos e começar a executar o Orçamento com despesas subestimadas. Se o presidente não sancionar o projeto, não há risco de extrapolar o teto de gastos (a regra que limita o crescimento das despesas à inflação), enquanto a sanção pode ter efeito contrário e gerar consequências para o chefe do Executivo.
A nota preliminar da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara indica que Bolsonaro poderia sancionar o Orçamento sem vetos e fazer a recomposição posterior das despesas que ficaram subestimadas. Durante a tramitação, o relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), fez cortes em despesas obrigatórias como benefícios previdenciários, seguro-desemprego e subsídios a financiamentos rurais, elevando as emendas parlamentares em R$ 31,3 bilhões.
A recomposição dessas despesas, segundo a nota da Câmara, poderia ser feita por meio de projeto de lei para cancelar gastos relacionados às emendas e restituir as dotações necessárias às obrigatórias. Outra opção seria por meio de decreto, desde que haja o aval do relator às mudanças.
A nota técnica da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado é mais extensa. Segundo o documento, mesmo que haja eventuais divergências em relação às despesas aprovadas no Orçamento, "não se identificou conduta tipificada como crime de responsabilidade em razão de sanção ou veto do projeto de lei". A nota afirma que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que tanto a sanção quanto o veto são "atos do caráter político do processo legislativo", enquanto um crime de responsabilidade passa por julgamento político-administrativo e requer a tipificação de tais infrações em lei federal.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.