Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Em meio à pressão para mudanças no território e nas atividades da maior reserva extrativista do país, a Verde para Sempre (PA), o presidente do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), Homero Cerqueira, confirmou presença em um evento, em março, organizado por um dos lados da disputa, pecuaristas diretamente interessados nas alterações.
Em um ofício enviado ao prefeito da cidade de Porto de Moz (PA), Rosiberg Campos, Cerqueira informou que irá participar do 3º Encontro dos Criadores de Gado da Resex Verde para Sempre. No texto, o presidente do ICMBio lamenta não poder levar ao encontro um Termo de Compromisso com uma solução para o "conflito em questão" e que não será possível a assinatura em março.
O conflito a que Cerqueira se refere é a disputa entre a comunidade original da reserva e um grupo que pretende mudar a denominação ou alterar os limites da resex para permitir o aumento da criação de gado dentro da sua área.
A participação de Cerqueira em um evento de pecuaristas de uma reserva extrativista causou estranheza também ao Ministério Público. Em um ofício enviado ao presidente do ICMBio, 11 procuradores questionam sua participação no evento e lembram que a criação de gado nesse tipo de unidade de conservação só é permitida para comunidades tradicionais e para subsistência.
"O exercício da pecuária fora de tais casos é incompatível com as finalidades das Reservas Extrativistas", diz o documento.
Formada em 2004, a Verde para Sempre é a maior reserva extrativista do país, com 1,3 milhão de hectares no norte do Pará, às margens do rio Amazonas, e cerca de 10 mil moradores de comunidades tradicionais. Nasceu de um movimento das próprias comunidades que, sob ataque de madeireiros, brigaram para transformar a área em uma reserva.
Hoje, a reserva tem o maior número de planos de manejo florestal do país, em que a retirada de madeira é feita de forma sustentável para permitir que a floresta se recomponha. Mas também convivem na área da reserva criações de búfalos - na área de várzea ao norte, às margens do rio Amazonas - e de gado, em pequena proporção.
"É estranho que o ICMbio agora chegue para uma reunião em que essa pauta esteja concentrada apenas na questão dos criadores. Nos faz pensar que é um movimento muito em função de 2020, das eleições municipais, e desse componente de possível oportunidade de mudar a classificação da resex e flexibilizar os limites", disse à Reuters Iran Pires, diretor-executivo do Instituto Floresta Tropical (IFT), que trabalha com diversos projetos de manejo sustentável de madeira na resex.
Procurados para falar da participação de Cerqueira no evento e da proposta de acordo, nem o ICMBio nem o Ministério do Meio Ambiente responderam a questões enviadas pela Reuters depois de três dias de contatos.
Maria Creusa Ribeiro, representante do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz e uma das líderes comunitárias da resex, explica que o problema não é a existência da criação em si dentro da reserva, mas sim as pressões externas para que o espaço liberado ao gado seja aumentado.
"Não somos contra a criação dentro da unidade porque quando ela foi criada já existia. Nossa preocupação é com a entrada de novas pessoas para ocupar um espaço ainda maior com gado", disse à Reuters.
PRESSÃO
Desde que foi criada, há mais de 15 anos, a reserva sofre a pressão de grandes criadores e madeireiros para que seu tamanho seja reduzido ou que seja permitida a ampliação das áreas de criação. A pressão havia diminuído, mas voltou a crescer no último ano, com movimentos coordenados para propor a alteração ao governo federal.
Em dezembro, o assunto foi tratado em uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir uma previsão legal para a criação dentro da reserva. Pires explica que o plano de manejo da reserva não foi bem discutido nas comunidades e não teria atendido a parte dos pequenos criadores da reserva.
"Daí o descontentamento dos produtores e aí entram com tentativas de remodelar o que já está definido", diz.
Uma das tentativas seria alterar a classificação de reserva extrativista para área de proteção ambiental. A mudança abriria espaço para ampliar a criação de grandes animais. Outra, diminuir a área da resex ou ainda, no plano de manejo, ampliar a área em que é permitida a criação.
Hoje, a criação de búfalos é concentrada nas áreas de várzea às margens dos rios, e é considerada parte da vida tradicional dos habitantes da região. Nessas áreas não há floresta.
Já o gado está em regiões mais ao sul onde já existia a criação e são ou áreas já desmatadas ou de vegetação tradicionalmente baixa.
"O próprio plano de manejo já previa essa criação, mas a discussão foi paralisada pela discussão dessa questão do gado, que estavam pressionando para ampliar", diz Maria Creusa. "Eu acho que isso não está sendo feito da forma correta. Pequenos criadores estão sendo influenciados por grandes criadores da região, ficam dizendo que vão tirar o búfalo de dentro da reserva.
Maria Creusa afirma que rumores vêm se espalhando na região de que a ideia é impedir totalmente a criação de gado e búfalo na resex, e credita isso a grandes produtores interessados em ampliar os limites da sua atuação. A reserva fica próxima a Altamira e Senador José Porfírio, dois municípios com grandes criações de gado e alto índice de desmatamento.
"A resex é gigante. Na parte sul ela teve algumas pequenas e médias propriedades. Elas funcionam como isca já que a fronteira da pecuária partindo de Altamira e Senador José Porfírio está se expandindo. Como tem esses pequenos núcleos de criação dentro da resex, eles são um atrativo para especulação e aumenta a pressão", diz Pires.
O evento a que o presidente do ICMBio confirmou presença acontece do dia 14 de março em uma escola em Porto de Móz. No cartaz, Cerqueira aparece em uma foto como um dos principais participantes, junto com o prefeito da cidade e o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), tradicionalmente ligados a pecuaristas da região.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu; Edição de Maria Pia Palermo)