Por Linda Sieg e Kiyoshi Takenaka
TÓQUIO (Reuters) - O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, premiê que mais tempo ficou no cargo na história do país, anunciou sua renúncia nesta sexta-feira por problemas de saúde, encerrando um período à frente da terceira maior economia do mundo no qual ele buscou reavivar o crescimento do país e impulsionar as capacidades de defesa.
Abe luta contra uma colite ulcerosa há anos e duas visitas recentes que fez a um hospital no espaço de uma semana levantaram questionamentos sobre a permanência no cargo até o final de seu mandato como líder do partido governista e, portanto, premiê, em setembro de 2021.
"Não posso continuar como primeiro-ministro se não tenho a confiança de que posso cumprir com as funções que me foram confiadas pelo povo", disse Abe, de 65 anos, na entrevista coletiva em que anunciou sua renúncia.
Ele disse que quis evitar um vácuo político no país em um momento em que o Japão lida com o novo coronavírus.
"Peço desculpas do fundo do meu coração por, apesar de todo o apoio do povo japonês, estar deixando o cargo com um ano inteiro faltando para o fim do meu mandato", disse Abe, com lágrimas nos olhos e voz embargada.
Foi a segunda vez que ele renunciou ao cargo de primeiro-ministro por causa de problemas de saúde.
Com a notícia da renúncia, o índice Nikkei, referência do mercado acionário japonês, fechou em queda de 1,41%.
A renúncia vai deflagrar uma corrida pela liderança do governista Partido Liberal Democrata (PLD) --provavelmente em entre duas a três semanas-- e o vencedor deve ser formalmente eleito no Parlamento. O novo líder do partido ocupará o posto de premiê pelo restante do mandato atual.
Shigeru Ishiba, ex-ministro da Defesa, e Fumio Kishida, ex-ministro das Relações Exteriores, expressaram interesse no cargo, noticiou a mídia local. Entre outros cujos nomes foram aventados está Yoshihide Suga, secretário-chefe de gabinete e aliado próximo de Abe.
Quem quer que vença a eleição partidária, provavelmente manterá as políticas deflacionárias da "Abenomics", agora que o país sofre com o impacto do novo coronavírus, mas pode ter dificuldades para copiar a longevidade política de Abe – que pode ser seu maior legado.
"O quadro geral continua intacto. Em termos de política econômica e fiscal, o foco continua essencialmente na deflação", disse Jesper Koll, conselheiro-sênior da administradora de ativos WisdomTree Investments. "A longevidade será uma luta."
Na segunda-feira, Abe superou o recorde de tempo de um premiê na função, estabelecido por seu tio-avô, Eisaku Sato, meio século atrás.
"Como chefe do partido governista, ele trabalhou duro na Abenomics durante oito anos", disse Naohito Kojima, funcionário de corretagem de 55 anos.
"Houve vários problemas, mas se o líder fosse outro, é questionável se teria conseguido manter um governo estável por tanto tempo quanto o senhor Abe. Ele realizou várias negociações diplomáticas, e acho que os prós superam os contras..
Abe foi elogiado por reafirmar a presença japonesa na arena global depois de anos de premiês de vida curta na função.
Sua renúncia ocorre em um ambiente geopolítico incerto, que inclui um confronto crescente entre os Estados Unidos e a China e a iminência da eleição presidencial norte-americana em novembro.
APOIO DECLINANTE
Alvo de críticas pela maneira como lidou com o coronavírus e devido a escândalos entre correligionários, Abe viu seu apoio recuar para um dos níveis mais baixos de seus quase oito anos no governo.
O Japão não teve o aumento explosivo de casos de vírus como em outros locais – o país teve quase 67 mil casos e 1.255 mortes até agora –, mas Abe foi atacado por causa de uma reação inicial confusa, e o que críticos viram como falta de liderança à medida que as infecções se disseminaram.
A economia japonesa sofreu sua maior retração já registrada no segundo trimestre, quando a pandemia esvaziou os shopping centers e derrubou a demanda por carros e outras exportações, reforçando a defesa de ações mais ousadas para evitar uma recessão profunda.
Abe renunciou ao seu primeiro mandato de premiê em 2007, citando a saúde frágil após um ano assolado por escândalos em seu gabinete e uma grande derrota eleitoral de seu partido governista. Desde então, ele vinha mantendo a doença sob controle com remédios que não estavam disponíveis antes.
(Reportagem adicional da redação de Tóquio)