O PL (projeto de lei) 3 de 2024, que muda a Lei de Recuperação Judicial e das Falências, foi aprovado na 3ª feira (26.mar.2024) pela Câmara dos Deputados. Foram 378 votos a favor e 25 contrários à proposta, que segue para o Senado.
O texto foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Câmara ainda em janeiro em regime de urgência constitucional. A Câmara teve 45 dias para analisar o projeto.
A ideia da equipe econômica com as mudanças na legislação vigente é deixar o processo envolvendo recuperações judiciais e falências mais rápido, o que retirará o poder dos administradores. Também deixará as definições de ativos mais fluidas.
Na visão de advogados e economistas consultados pelo Poder360, o prazo limitado para a votação da proposta não permitiu uma maior discussão sobre temas mais sensíveis, resultando em insegurança jurídica.
O economista Phil Soares, chefe de análise da corretora Órama, diz que mudanças sobre ativos que não podem ser alienados causam instabilidade na utilização de instrumentos como CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e CDI (Certificados de Depósito Interbancário).
“Está mais claro o potencial destrutivo, porque você traz insegurança jurídica para esses instrumentos que vêm sendo amplamente utilizados e que são excelentes veículos de captação, pois mantêm as taxas mais baixas para os devedores. Isso vai comprometer a vida dos devedores com certeza, vai trazer insegurança e vão ter que pagar mais caro”, disse.
Ecio Costa, economista e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), avalia que há “pontos controversos” no texto. “Deveria ter mais discussão. Havia uma ideia de reduzir o custo do crédito, mas a relatora do PL [em referência à deputada Dani Cunha, do União Brasil-RJ] andou fazendo modificações que não agradaram. Acho que deveriam estudar modelos americano e europeu para tentar copiar bons formatos”, disse.
Modificações
O texto sofreu leves alterações depois da reunião dos líderes partidários da Casa Baixa com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na tarde da 3ª feira (26.mar). A Fazenda sugeriu 3 mudanças, das quais 2 foram acatadas.
A nova versão do texto retira a obrigação de se prever os créditos no plano de falência. No lugar, os gestores e administradores judiciais da empresa precisarão indicar prazos para impugnação do processo de falência.
Não será possível aplicar juros sobre créditos extraconcursais (contraídos para pagar os credores e os trabalhadores do processo de falência) depois da declaração de falência. O texto também altera os juros incidentes sobre créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação.
Administrador judicial e advogado que integra o Núcleo de Reestruturação de Empresas do escritório Lara Martins Advogados, Jorge Lucas de Oliveira relaciona a retirada de poder dos administradores judiciais a uma consequência de casos envolvendo crises em companhias, como 123Milhas e Americanas (BVMF:AMER3), que chamaram a atenção da sociedade.
“Esse movimento de reduzir a porcentagem da remuneração do administrador judicial e de criação da figura do gestor fiduciário, que vai ser eleita pelos credores para cumprir as mesmas funções do administrador judicial, são mais uma espécie de retaliação pelo que aconteceu em casos pontuais, por exemplo, na Americanas e 123Milhas”, declarou.
Para Oliveira, o projeto de lei “desconsidera a realidade vivida pela maioria dos profissionais em administração judicial” por avaliar que o administrador é “um auxiliar do juízo, ele não é parte no processo, ele é apenas um auxiliar do juiz ali que está tocando aquela recuperação judicial ou aquela falência”.
Prazo curto
Leonardo Pessoa, advogado e professor de Direito do Ibmec-RJ, diz que a limitação do tempo para discussão do texto e o prazo curto para as mudanças entrarem em vigor devem trazer efeitos negativos.
“Penso que a ‘vacatio legis’ [lapso temporal entre a publicação da lei e o prazo para que entre em vigor] de apenas 60 dias pode causar um efeito contrário quanto ao objetivo de dar celeridade ao processo falimentar [liquidação dos ativos do devedor para pagar dívidas]. Nesse sentido, essa falta de debate mais extenso com os setores envolvidos e o curto período para entrar em vigor já estão gerando insegurança jurídica, pois os especialistas da área nem sequer tiveram tempo de analisar os dados e simular os efeitos de todas as alterações propostas”, afirmou.
O advogado Pedro Melchior afirma haver críticas de juízes em varas especializadas em questões falimentares por privilegiar as falências em relação à recuperação judicial.
“A recuperação judicial é mais rápida e tem o condão de manter a empresa viva. Da forma como o projeto está, eu não vejo como positivo porque certas características que eram inerentes ao processo falimentar precisam ser mantidas. A recuperação judicial há ser sempre privilegiada por manter a empresa em funcionamento. Então, o meu entendimento é que a matéria merecia um exame com mais cuidado e com mais tempo, e não da forma apressada como está acontecendo”, disse.
Matheus Dezan, advogado do escritório Schiefler Advocacia, enxerga vantagens no projeto de lei. Segundo ele, “a concepção do gestor fiduciário e do plano de falência tornam os processos judiciais de recuperação judicial e de falência mais sofisticados”.
O especialista, no entanto, pondera o prazo exíguo. “As vantagens decorrentes do projeto de lei não justificam o trâmite exasperado, que implicará a recepção dessas vantagens em conjunto com inúmeras desvantagens prejudiciais à recuperação judicial e à falência no Brasil”, declarou.