(No 16º parágrafo, coloca 2022 no lugar de 2021)
Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - Uma nova proposta de arcabouço fiscal em elaboração no Ministério da Economia autoriza aumento de gastos do governo acima da inflação a depender do avanço do Produto Interno Bruto (PIB) e do nível da dívida pública, além de ampliar a flexibilização da regra do teto ao permitir uma elevação de despesas em períodos de recessão econômica, independentemente do nível de endividamento.
Caso adotada este ano, a fórmula já permitiria abrir espaço para mais gastos em 2023.
A ideia começou a ser apresentada a acadêmicos em meio à busca no governo para viabilizar promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição. A manutenção do Auxílio Brasil turbinado, por exemplo, não foi incluída no Orçamento do ano que vem porque não há espaço no teto para esse gasto adicional de aproximadamente 50 bilhões de reais.
A medida foi apresentada na última sexta-feira durante evento fechado na UnB (Universidade de Brasília) pelo chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos da pasta, Rogério Boueri --a Reuters teve acesso ao conteúdo da apresentação.
De acordo com duas fontes do ministério, o texto é diferente da proposta construída e prometida pelo Tesouro Nacional, que foi tornada pública há mais tempo e cria uma âncora fiscal com base na dívida pública em substituição à atual regra do teto --que corrige as despesas primárias federais de acordo com a variação da inflação.
A proposta da Assessoria de Estudos Econômicos define parâmetros distintos a depender do nível da dívida bruta do governo geral. Se o indicador estiver abaixo de 60% do PIB, a elevação do teto acima da inflação será um ponto percentual menor do que o crescimento do PIB do ano anterior.
Por exemplo, se o PIB crescesse 3%, o governo aumentaria suas despesas em 2% acima da inflação. Se o PIB aumentasse entre 0% e 1%, não haveria alta real nos gastos.
Em momentos em que a dívida pública ficar entre 60% e 80% do PIB, o aumento de gastos também será um ponto abaixo do avanço da atividade, mas não haverá alta real do gasto se o PIB crescer entre 0% e 2%.
Para dívida bruta em nível superior a 80% do PIB, a regra básica permitirá apenas a correção das despesas pela inflação.
VÁLVULA ANTICÍCLICA
Uma das fontes afirmou ter sido após sugestão do Tesouro que a Assessoria de Estudos Econômicos incluiu a âncora de dívida em sua proposta, que inicialmente considerava apenas a variação do PIB como fator para a evolução dos gastos.
A norma ainda teria uma válvula de escape anticíclica, válida para qualquer nível de endividamento público. Em situações de recessão econômica, seria liberado um aumento temporário de gastos. Se o PIB caísse 2%, por exemplo, o teto aumentaria 2% acima da inflação. Se a queda fosse de 1%, a alta real no gasto seria de 1%.
“Os fundamentos do teto de gasto seriam preservados, contudo, haveria margem de manobra tanto para os casos recessivos, quanto para os casos de elevações de receitas associadas a crescimento econômico (e não à carga tributária)”, afirma a apresentação da pasta.
Considerando o atual nível da dívida bruta, de 77,6% do PIB, e a projeção do governo de que a atividade crescerá 2,7% neste ano, o teto já poderia ter um aumento real de 1,7% em 2023 se a regra estivesse em vigor, criando uma folga de quase 31 bilhões de reais nas contas. Se a economia avançasse mais, o espaço aumentaria.
A nova regra fiscal ainda seria vinculada à ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de abrir excessão ao teto para repasses extraordinários a programas sociais e obras públicas em caso de privatização de estatais.
Procurado, o Ministério da Economia informou que não comenta estudos em andamento.
PROPOSTA DO TESOURO
Pelo menos desde 2019 o Tesouro discute a criação de uma regra para estabelecer uma âncora fiscal com base na evolução da dívida pública. Em agosto deste ano, técnicos do órgão anunciaram que o novo modelo poderia ser apresentado ainda em 2022, após as eleições.
A medida do Tesouro teria menos condicionantes do que a ideia da Assessoria de Estudos Econômicos. Pelo plano, o crescimento dos gastos públicos poderia superar a inflação quando o indicador de dívida estivesse abaixo de determinado nível --os patamares ainda não estão definidos.
Com o modelo, segundo técnicos do Tesouro, não haveria margem para encaixar o adicional do Auxílio Brasil no teto já no primeiro ano de vigência. Por isso, seria necessário aprovar uma exceção inicial à regra.
Uma das fontes do ministério vê a nova proposta com preocupação, justificando que os componentes adicionais para a evolução dos gastos incluídos na medida pela Assessoria de Estudos Econômicos dificultam a consolidação fiscal ao, por exemplo, permitir aumento dos desembolsos em período de recessão mesmo que a dívida esteja acima de 80% do PIB.
Além disso, argumenta que o maior número de condicionantes dificulta o cálculo das projeções de despesas do governo, ampliando incertezas sobre o cenário fiscal.
Um técnico do Tesouro, porém, afirmou que as propostas devem ser discutidas conjuntamente.
“É importante lembrar que os analistas do Tesouro vão publicar uma proposta tendo a dívida como referência e que estamos abertos a críticas e sugestões. De qualquer maneira estamos trabalhando junto com o Boueri e o ministro”, disse, sob condição de anonimato porque as discussões não são públicas.