Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - A conversão de pastagens degradadas para cultivos de soja, principal fator por trás do aumento do plantio da oleaginosa nos últimos anos em vários Estados do Cerrado brasileiro, tem menor importância para a expansão da cultura quando se fala no Matopiba, de acordo com dados de monitoramento compilados pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e obtidos pela Reuters.
Nos Estados do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), uma fronteira agrícola mais nova do que outras regiões do Cerrado, o desflorestamento tem tido uma importância maior para o avanço da soja, mostram os números. Lá terras que antes eram ocupadas por vegetação nativa responderam por 700 mil hectares da expansão da oleaginosa no período de 2013/14 e 2021/22, conforme a Abiove, que mantém monitoramento para evitar que produtos de desmate ilegal entrem na cadeia produtiva.
Já as pastagens responderam por parcela menor do avanço da soja no Matopiba, com cerca de 400 mil hectares transformando-se em lavouras na região no mesmo período, segundo os dados da Abiove. De outro lado, os demais Estados do Cerrado converteram no período 2,8 milhões de hectares de pastos em plantações da oleaginosa, segundo dados da Abiove.
Nesse intervalo de tempo de oito anos, o plantio de soja saltou de 12,13 milhões de hectares nos diversos Estados do Cerrado (excluindo Matopiba) para 16,35 milhões de hectares, alta de 34,8%. Já no Matopiba, a alta foi de quase 50% entre 13/14 e 21/22, para aproximadamente 5 milhões de hectares, segundo os números da associação.
Tal crescimento no Matopiba se deu, segundo a Abiove, com agricultores utilizando terras que estavam em pousio (sem cultivos) ou tinham outros usos, em um total de 750 mil hectares), quase a mesma área de vegetação nativa convertida para lavouras de soja no período.
Áreas que antes eram ocupadas por milho, algodão e cana ainda contribuíram com 500 mil hectares do crescimento da soja na região dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Os dados foram apresentados após números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontarem na semana passada que o desmatamento no Cerrado brasileiro atingiu uma máxima em sete anos, em 12 meses até julho, em comparação com o mesmo período anterior, à medida que a savana tem dado lugar à expansão da fronteira agrícola do Brasil ao longo de décadas.
Em nota, a Abiove, pontuou que apesar do aumento significativo do desmatamento no Cerrado, houve uma queda relevante nos últimos cinco anos (2018 a 2022), com média anual de 810 mil hectares, versus uma média de 2,6 milhões de hectares anuais nos primeiros cinco anos do monitoramento do PRODES Cerrado (2001 a 2005).
Para o gerente de Sustentabilidade da Abiove, Bernardo Pires, os dados da associação mostram ainda que a maior parte do crescimento da soja no Cerrado se dá em áreas de pastagens, com a maioria delas sendo estabelecidas a partir da derrubada de matas nas décadas de 80 e 90.
"E agora, muito recentemente, essas pastagens viraram soja. Então há uma distância muito longínqua de tempo, de quando foi convertida para pastagem e depois virou soja", afirmou Pires, negando que a soja seja um vetor indireto do desmatamento, ao ser questionado sobre o assunto.
Ele disse que o Brasil tem hoje em torno de 180 milhões de hectares de pastagens, e desses cerca de metade (90 milhões de hectares) no Cerrado. "Metade deste pasto está abandonado ou degradado no Cerrado... são terras improdutivas, com presença de cupim, e a soja vem recuperar esta área", comentou, indicando fator de avanço de área da soja na maioria do Cerrado.
Em Mato Grosso, maior produtor de soja, a área plantada com o grão deverá crescer 700 mil hectares, para 11,8 milhões de hectares em 2022/23, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que indica a conversão de pastagens como principal fator. Já em Estados da fronteira agrícola, como o Tocantins, a alta é de pouco mais de 120 mil hectares de um ano para o outro, enquanto é de 76 mil no Piauí e de cerca de 30 mil no Maranhão, segundo a Conab.
Pires comentou que os dados mostram que, no Matopiba, a conversão de vegetação em lavouras é um dos principais impulsos para a expansão da soja, mas há também terras antes cultivadas com milho, algodão e cana que estão migrando para a oleaginosa.
A conversão de vegetação nativa em outras áreas do Cerrado (excluindo o Matopiba), onde as atividades agropecuárias ocorrem há mais tempo, representou apenas 190 mil hectares da expansão da soja entre 13/14 e 21/22.
A pressão contra o desmatamento, mesmo aquele feito de forma legal, tende a aumentar nos próximos anos, já que todas as empresas associadas à Abiove, que incluem as maiores multinacionais do agronegócio, possuem metas para eliminar todo o desflorestamento de suas cadeias produtivas a partir de 2025 ou 2030, dependendo da companhia, disse a associação.
Essas empresas já seguem a política de "desmatamento zero" no bioma amazônico desde 2008, pois são signatárias da chamada Moratória da Soja, que impede compra do grão de áreas desmatadas nessa região após aquela data. As companhias ainda dizem seguir critérios para compra e financiamento de soja no Brasil, impedindo aquisição de áreas com desmatamento ilegal, de unidades de conservação, terras indígenas, entre outras.