Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade, nesta quarta-feira, suspender por 60 dias o julgamento em plenário de ações que abrem o caminho para o recálculo das dívidas estaduais com juros simples, com impacto potencial nas contas da União de mais de 400 bilhões de reais.
O plenário da STF também decidiu, por maioria de 7 x 3, que durante este período continuarão valendo as liminares concedidas até agora, que permitem que os Estados calculem as dívidas com juros simples e, com isso, paguem menos ao governo federal.
A secretária-geral de Contencioso da Advocacia Geral da União (AGU), Grace Maria Mendonça, afirmou a jornalistas que esse aval fará com que os entes deixem de pagar 3 bilhões de reais por mês à União. Mais tarde, contudo, o Ministério da Fazenda disse que ainda vai avaliar o impacto financeiro imediato da manutenção das liminares por 60 dias, mas comemorou o adiamento do julgamento do mérito.
"A decisão de adiar o julgamento...para que se busque um consenso vai ao encontro da orientação do governo e, em particular do Ministério da Fazenda, que desde dezembro de 2015 abriu o diálogo com os governadores e vem buscando uma proposta equilibrada do ponto de vista fiscal para toda a Federação", disse a pasta em comunicado.
No início do julgamento, o ministro Edson Fachin, relator dos mandados de segurança que estavam em pauta -- referentes a Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais -- votou contra a adoção de juros simples. Ele apontou inconstitucionalidade na Lei Complementar nº 151, que teria aberto a porta para essa interpretação.
Logo em seguida, o ministro Roberto Barroso sugeriu a suspensão do processo por até 60 dias para que União e Estados busquem um entendimento mais amplo sobre o assunto, para "diagnosticar algumas culpas e traçar metas factíveis para o futuro".
Ele adiantou, porém, também ser a favor dos juros compostos, mas reconheceu que a atual situação fiscal está conduzindo os Estados para "um abismo", com os governadores tendo que escolher entre honrar compromissos com a União ou pagar aposentadorias a inativos.
Após o consenso no sentido da suspensão, os ministros passaram a debater se, durante os dois meses, continuariam valendo as 11 liminares já concedidas até agora, que beneficiaram também os Estados de Alagoas, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Sergipe, Pará, Goiás e Mato Grosso do Sul, além de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul.
O ministro Teori Zavascki pontuou que, depois de boa parte dos ministros terem se manifestado a favor dos juros compostos, a manutenção das liminares era o que daria "cacife" aos Estados para sentarem-se à mesa de negociação.
Sete dos dez ministros presentes votaram então para que as decisões preliminares não fossem revogadas, sendo vencidas as posições dos ministros Edson Fachin, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes.
CASO
Os governadores entraram no Supremo para alterar a correção das dívidas ao enxergar brechas na regulamentação da Lei Complementar nº148, que trocou o indexador das dívidas por IPCA mais 4 por cento ao ano ou pela Selic, o que for menor, no lugar de IGP-DI mais juros de 6 a 9 por cento ao ano.
Os Estados argumentam que a Lei Complementar nº 151, de agosto de 2015, acabou penalizando-os, pois houve aumento no estoque da dívida num momento em que sofrem com baixa arrecadação em função da recessão econômica. Também apontam que não há no texto menção direta ao cálculo com juros compostos, mas apenas a juros acumulados.
Já o Ministério da Fazenda defende que todos os contratos financeiros são balizados por juros compostos. Com a adoção dos juros simples, que refuta veementemente, o impacto para o cofre da União seria de 402 bilhões de reais.
Segundo o governo federal, isso poderia levar ao descumprimento da meta fiscal, além de desencadear uma avalanche de pedidos na Justiça por recálculo de valores devidos.
Nesta quarta, a secretária-geral de Contencioso da AGU afirmou que o aval para os juros simples ameaçava expandir o desemprego, encolher políticas sociais e inibir o crescimento econômico.
"Medida dessa ordem configura um verdadeiro nocaute nas contas públicas federais", disse.
"Não há intenção da União em prejudicar os Estados, ao contrário, o esforço da União tem sido em apresentar soluções", completou Grace Maria Mendonça, destacando o envio ao Congresso do projeto de lei que alonga a dívida dos Estados.
Para o governo federal, o caminho para um alívio fiscal aos Estados passa pela aprovação no Legislativo da proposta de alongamento dos débitos, com impacto de até 45,5 bilhões de reais de 2016 a 2018.
O projeto de lei, que prevê uma série de contrapartidas de maior rigor fiscal para a concessão de benefícios, foi enviado ao Congresso em março, mas sua tramitação segue paralisada em meio à profunda crise política e ao andamento do pedido de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff no Legislativo.