Igor G. Barbero.
Islamabad, 10 dez (EFE).- A facilidade para comprar ácido no
Paquistão contribuiu para que seu uso em ataques de cunho machista
tenha aumentado nos últimos anos, mas a Suprema Corte local pediu
que o Governo limite legalmente a venda de uma "arma" que matou pelo
menos 37 mulheres em 2008.
O pedido da Suprema Corte foi feito no final de novembro e foi
aplaudido por grupos de defesa dos direitos da mulher. Junto com
ele, vieram sentenças judiciais com as penas mais elevadas da
história do país para agressões do tipo.
"Parece que algumas coisas estão mudando. O Supremo está tomando
decisões históricas", disse a francesa Valerie Khan, da Fundação
Sobreviventes do Ácido (ASF, na sigla em inglês), uma ONG que dá
assistência legal gratuita a vítimas desse crime.
Além disso, nos últimos três anos, a ASF ajudou 226 mulheres que
foram atacadas com ácido a passarem por tratamento médico.
Khan deu estas declarações durante um debate realizado nesta
quarta-feira em Islamabad sobre "Eliminação da Violência contra as
Mulheres" organizado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud) e pela agência de cooperação internacional
britânica DFID.
A ativista falou de casos como o de Naila Farhat, cujo agressor
deverá cumprir uma pena de dez anos de prisão e pagar uma
indenização de quatro milhões de rúpias paquistanesas (US$ 46.620).
Farhat foi atacada com ácido aos 14 anos de idade, quando
retornava da escola, por um homem que queria se casar com ela, mas
que sua família tinha rejeitado. Desde então, a jovem já passou por
dez cirurgias plásticas.
No Paquistão, esse tipo de ataque ocorre por motivos que vão
desde um pai que não quer ter mais filhas meninas a disputas entre
famílias, ajustes de contas ou contribuições insuficientes para um
dote de casamento.
Estas agressões podem ser cometidas com facilidade, já que não
existe no país nenhum tipo de controle sobre a venda de ácidos
perigosos como o sulfúrico ou o nítrico.
Segundo a Suprema Corte paquistanesa, a falta de uma legislação
sobre a venda de ácidos permitiu que o número de ataques com estes
produtos disparasse nos últimos anos, chegando a 160 em 2008, sendo
37 deles fatais, segundo a Comissão de Direitos Humanos do
Paquistão.
De acordo com diferentes ONGs, os números são apenas a ponta do
iceberg, já que muitos dos casos não são divulgados e, mesmo quando
a Polícia registra uma denúncia, frequentemente as vítimas não têm
como arcar com os custos de um julgamento, levando os culpados a
ficarem impunes.
Para Khan, entretanto, "é preciso ser otimista. Criar um marco
legal para a venda de ácido seria muito positivo", diz ela.
"Precisamos estar unidos para criar um projeto de lei com uma
rede ampla que inclua ONGs, juristas, médicos, a classe política,
vítimas, para propor ao Parlamento paquistanês", sugeriu a ativista.
A parlamentar Marvi Memom, que também participou do debate,
ressaltou que se trata de um momento "idôneo" para que os políticos
sejam "agressivos" no momento de "perseguir a promulgação de uma
legislação" a respeito.
"Temos o chefe do Supremo de nosso lado. É preciso se apressar
para iniciar um processo de consultas", disse Memom.
A congressista lembrou que as autoridades paquistanesas estão
debatendo uma emenda ao Código Penal, ainda em seus primeiros
passos, que prevê até a prisão perpétua para os culpados de agressão
com ácido.
No entanto, reconheceu que ainda existem no Paquistão "muitas
pessoas influentes que querem evitar o fortalecimento dos direitos
das mulheres".
"O Paquistão é um Estado muito patriarcal, com tradições feudais
e tribais arraigadas, onde os crimes de honra são comuns. As
reservas de líderes religiosos podem prejudicar a aprovação de leis.
Além disso, há hoje em dia um auge do fundamentalismo islâmico",
lamentou a ativista Farzana Bari.
Bari denunciou que as mulheres são as "principais afetadas" pelo
atual conflito armado entre a insurgência talibã e o Exército do
Paquistão em vários pontos do país. EFE