Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Dando sequência a uma maratona de falas públicas nos últimos dias, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, repetiu nesta quarta-feira a necessidade de o país se comprometer com uma dinâmica sustentável para as contas públicas, ao mesmo tempo em que descartou preocupações com a inflação de curto prazo.
Em evento organizado pelo Sicoob Engecred, ele defendeu que o horizonte da autoridade monetária é sempre mais longo para analisar a inflação, pontuando que o BC está vigilante quanto ao aumento de preços na economia, mas ainda tranquilo.
"Temos dito que estamos relativamente tranquilos, estamos acompanhando o processo", disse.
Campos Neto repetiu que, para o BC, a inflação tem sido influenciada por três componentes: dólar mais alto sobre o real, substituição de gastos com serviços por alimentação em casa, e efeito da transferência direta de renda pelo auxílio emergencial.
"Quando nós somamos esses três efeitos combinados, nós vimos que a parte de alimentação em domicílio em 12 meses subiu bastante ... mas em alguns outros setores da economia a inflação ainda se mostra bastante moderada", disse.
"Nós tivemos aí um número um pouco maior recentemente que faz parte do repasse cambial", emendou ele, afirmando que o BC já tinha mapeado que isso ocorreria no Relatório Trimestral de Inflação de setembro, quando tratou da contaminação da inflação do atacado no varejo.
"Esses três componentes (de pressão inflacionária) têm um elemento de esvaziamento ao longo do tempo", afirmou Campos Neto.
"Estamos vigilantes, olhando sempre todos os dados, tínhamos antecipado algum 'passthrough', mas o horizonte do Banco Central é sempre um pouco mais longo porque nossa ferramenta não tem capacidade de atuação no curto prazo", acrescentou.
Segundo o presidente do BC, como eventuais ajustes na Selic não têm efeito imediato --algo característico da forma de fazer política monetária--, é preciso "sair um pouco do curto prazo e entender o que está acontecendo em termos estruturais com a mudança no patamar de inflação".
Ele disse ainda que há 4 meses a autarquia estava recebendo enxurrada de críticas no sentido de que deveria ter reduzido mais os juros básicos já que o cenário de inflação era outro, de IPCA muito baixo.
Em sua fala, o presidente do BC avaliou, quanto ao elemento cambial, que a parte vinda de commodities mais caras parece estar mudando, exemplificando que milho e soja já começaram a cair internacionalmente.
Questionado sobre a razão para o real ter se descolado de outras moedas do mundo, ele disse que a fragilidade fiscal do país contribuiu para que isso acontecesse.
Ele reconheceu que houve movimento recente de descolamento um "pouco mais forte" em função de algumas explicações, sendo a incerteza fiscal, novamente, uma delas.
"É importante agora passar uma mensagem ... que vamos trilhar esse caminho da disciplina fiscal e aí a gente vai ver movimento de credibilidade voltando, um movimento de prêmio de risco recuperando, isso tende a ter um efeito na moeda também", disse.
NA TECLA DO FISCAL
Mantendo a toada de suas últimas falas públicas, Campos Neto voltou a ressaltar a necessidade de o país se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas no pós-pandemia, já que o problema principal do Brasil agora é "dívida grande para administrar".
"Ponto superimportante, talvez ponto chave, é conquistar credibilidade com continuação das reformas e com plano que indique clara percepção para investidores que país está preocupado com trajetória da dívida", afirmou.
O presidente do BC destacou que a curva de juros doméstica é hoje uma das mais inclinadas do mundo, o que demonstra incerteza quanto ao quadro fiscal à frente.
Nesse sentido, ele reconheceu que os agentes estão ansiosos sobre eventual extensão do programa de auxílio emergencial. Campos Neto, contudo, disse que a visão do BC é semelhante à externada pelo secretário do Tesouro, Bruno Funchal, na terça-feira: há muito pouco ou zero espaço para qualquer tipo de medida fiscal.