A cautela com a cena política local voltou a dar as cartas no mercado de câmbio doméstico ao longo da tarde desta sexta-feira, 10, com investidores ponderando os efeitos e a duração do aceno de paz do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) em nota oficial divulgada ontem.
O dólar até abriu a sessão em queda e desceu rapidamente à mínima de R$ 5,1699 (-1,10%), esboçando dar continuidade ao mergulho na reta final do pregão de ontem, quando recuou 1,86%. Logo em seguida, porém, o movimento vendedor perdeu força, dando lugar a operações de realização de lucros e recomposição de posições defensivas, o que pôs o dólar em terreno positivo já no fim da manhã.
A pá de cal nas esperanças de uma de apreciação do real veio no início da tarde, na esteira de fala do próprio Bolsonaro relativizando o tom das declarações da "carta à Nação", articulada em conjunto com o ex-presidente Michel Temer. Em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente disse que a manifestação do dia 7 de setembro, quando atacou duramente o ministro do STF Alexandre de Moraes, "não foi em vão". Mais cedo, o presidente, ao tentar explicar a apoiadores seu recuo em relação às criticas ao Supremo, disse que não pode "falar para cima" porque o dólar dispara, o que resulta em aumento dos preços dos combustíveis.
Segundo operadores, o ziguezague na comunicação presidencial deixou o mercado com o pé atrás e estimulou a busca por proteção na véspera do fim de semana (em que estão previstas manifestações contra Bolsonaro), empurrando o dólar para cima.
Na reta final dos negócios, a moeda americana registrou novas máximas, correndo até R$ 5,2711 (+0,84%), em meio ao mau humor externo, com aprofundamento das perdas nas Bolsa de Nova York, o que contaminou o Ibovespa, e novas máximas do índice DXY - que mede o desempenho do dólar frente a seis moedas fortes. A moeda americana também ganhou certo fôlego em relação a divisas emergentes, diminuindo as perdas frente ao rand sul-africano e o peso mexicano, considerados pares do real.
No fim do dia, o dólar à vista terminou cotado a R$ 5,2671, em alta de 0,76%. Com isso, a moeda americana encerrou a semana com valorização de 1,59%. No acumulado do mês, o dólar sobe 1,84%.
Na avaliação da economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila, Abdelmalack, a manifestação de Bolsonaro ontem foi positiva, ainda mais por contar com o auxílio de Temer, visto como um hábil articulador político, mas ainda não assegura uma mudança definitiva na postura do presidente. "Não se sabe como vai ser daqui para frente. É natural os investidores adotarem uma postura mais de cautela quando chega o fim de semana", afirma Abdelmalack, ressaltando que, com as dúvidas ainda sobre o Orçamento de 2022 e todos os ruídos políticos, o que impede uma depreciação maior da taxa de câmbio é processo de alta da taxa Selic.
Ainda há no mercado inquietações sobre como o governo vai compatibilizar o pagamento de precatórios e um reajuste do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, com o teto de gastos, considerado a âncora do regime fiscal brasileiro. Em evento promovido pelo banco Credit Suisse, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse hoje que vai se reunir com os presidente das duas Casas do Congresso e do STF para falar da questão dos precatórios que acredita em uma solução" respeitando o teto de gastos".
A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, pondera que não se sabe quais serão os próximos passos de Bolsonaro e seus eventuais impactos "na evolução das reformas", em meio a um cenário de inflação elevada e de revisões para baixo do crescimento econômico. "Isso gera cautela e aumenta a aversão ao risco para Brasil", diz Consorte, ressaltando que o tom da carta de Bolsonaro não é suficiente para a manutenção de uma tendência da taxa de câmbio.
Para Gustavo Gomiero, head da mesa câmbio e operações PJ da Wise Investimentos, o tom da carta de Bolsonaro, acalmou um pouco o mercado, mas não é garantia de uma mudança de postura do presidente. "Ele vai continuar falando o que pensa e isso vai provocar muita volatilidade na taxa de câmbio", afirma.
Gomiero ressalta, contudo, que os fundamentos macroeconômicos domésticos, o ambiente externo ainda favorável e o diferencial de juros apontam para um cenário de pressão de baixa para o dólar, o que levaria o real a acompanhar o desempenho das demais moedas emergentes. "Até o fim do ano, se a crise política arrefecer e as pautas andarem no Congresso, os fundamentos podem jogar o dólar para baixo", diz.
No exterior, as atenções se voltam para o início da redução da compra mensal de bônus (tapering) pelo Federal Reserve. A presidente da distrital de Cleveland do Fed, Loretta Mester, afirmou hoje que está muito confortável com início do 'tapering' neste ano e conclusão até meados do ano que vem.