M.J. Hallawa.
Benghazi (Líbia), 3 jul (EFE).- Um grupo de quatro médicos líbios e um advogada lançou um programa para ajudar as mulheres supostamente violentadas por tropas leais ao regime de Muammar Kadafi e tentar acabar com o estigma das vítimas na conservadora sociedade líbia.
"Não é culpa sua" ou "Uma mulher violentada é tão heroica como nossos combatentes" são alguns dos lemas que os fundadores do projeto começaram a utilizar para pôr fim ao tabu dos estupros que, em muitos casos, marginaliza as vítimas ou as condena a renunciar para sempre à possibilidade de se casar.
"Estamos oferecendo linhas de telefone para contato e confidencialidade para poder falar com as mulheres. Queremos que elas se sintam seguras", afirmou à Agência Efe a advogada Hana al Galal, doutora em direito internacional e uma das fundadoras da iniciativa.
Por enquanto o grupo está na primeira fase de ações, tentando registrar o número de casos em zonas como as de Tobruk, Misrata ou as montanhas ocidentais, onde continuam os confrontos, para depois poder abordar melhor o tratamento de cada caso.
Além disso, os iniciadores deste projeto, subsidiado pelo Ministério da Saúde do Conselho Nacional Transitório líbio (CNT), principal órgão dos rebeldes, não descartam coletar os depoimentos para apresentá-los posteriormente ao Tribunal Penal Internacional (TPI), como disse Galal.
O estupro, em muitas sociedades islâmicas, não só representa uma vergonha e humilhação para as vítimas como se transforma em uma desonra para muitas famílias. Em alguns casos, as vítimas podem chegar a ser assassinadas por algum de seus parentes para, supostamente, recuperar a honra perdida. Uma razão a mais para que estes crimes não sejam denunciados.
Na Líbia, com a explosão do conflito armado, a situação pareceu ter piorado, e alguns médicos da cidade de Ajdabiya, no leste do país, denunciaram ter encontrado preservativos e comprimidos de estimulantes sexuais nos bolsos dos combatentes de Kadafi, o que alguns interpretaram como um plano organizado para realizar ações de estupro.
"Quem pode fazer algo assim? Isso é um crime de guerra. Quem ordena violentar seu próprio povo?", questiona-se o médico Jalifa Ramadán, que retornou do Reino Unido, onde trabalhava, para participar do programa.
O primeiro caso público de abusos sexuais supostamente cometidos por membros de brigadas pró-Kadafi foi revelado em 26 de março, quando a jovem Eman al Obaidi entrou no hotel Rixos, em Trípoli, onde se hospedava a imprensa internacional, para denunciar que tinha sido violentada e golpeada por dois dias por 15 militares.
Este ato despertou a fúria dos líbios de Benghazi, segunda maior cidade do país e principal reduto dos rebeldes, que se manifestaram para mostrar sua condenação pelo ocorrido e sua solidariedade a Obaidi. O próprio presidente do CNT, Mustafa Abdeljalil, referiu-se a ela como um valente heroína por ter revelado em público o caso.
O programa, que já se estendeu por várias cidades sob controle rebelde, inclui ginecologistas e psicólogos que tentam ajudar as pacientes a superar o trauma e, em alguns casos, a aceitar o filho que nascerá como consequência do estupro.
"Temos uma equipe em Tobruk, outra em Misrata e mais pessoas com os refugiados líbios na Tunísia. Queremos ajudar o maior número possível de mulheres", ressaltou Galal.
A advogada, que se mostra consciente de que a verba recebida do CNT é baixa e que comida e combustível são prioridades mais urgentes nestes momentos, sustenta que manterá sua missão seja como for.
"Se necessário, pagarei do meu próprio bolso. Nosso objetivo é ajudar o máximo de mulheres possível. O dinheiro virá depois", ressaltou. EFE